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Raquel Brito
Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 05:00
Quem são os protagonistas da história de Salvador? Foi essa pergunta que motivou a criação da Casa das Histórias de Salvador, inaugurada nesta segunda-feira (29). O equipamento cultural, localizado no Comércio, promove uma viagem pela memória de Salvador e faz os visitantes refletirem sobre a invisibilização quem a compõe diariamente. >
Uma dessas pessoas é o historiador Vinícius Bonifácio. Ele, que se descreve como africanizado e morador do bairro de São Caetano, foi um dos responsáveis pela digitalização e pesquisa de muitas das obras expostas na Casa. >
“Foi excelente trabalhar nesse projeto, porque eu, enquanto historiador, utilizo muito o Arquivo Histórico Municipal de Salvador e frequento muito essa área. Feira de São Joaquim, Elevador Lacerda… É incrível a gente poder andar por aqui e estar imerso na história da cidade”, diz.>
De acordo com Bonifácio, a entrega do equipamento significa muito não só para o arquivo, mas para toda a cidade. Foi por isso que ele levou a filha, Alice, de oito anos, para conhecer o museu. >
“Eu tô amando, é muito legal”, diz a pequena. “O que eu mais gostei foi a sala que a gente entra e tem as luzes ao redor”, conta ela, se referindo à sala de experiência imersiva no primeiro andar, que remete às forças sensoriais dos quatro elementos. >
No terceiro andar, a gestora Ninfa Cunha era só orgulho durante a inauguração. Pessoa com deficiência, ela participou do projeto Revelando Histórias, do fotógrafo Renan Benedito, que conta as vivências de 24 pessoas com Salvador. Unidas a áudios introdutórios de cada uma dessas histórias, as fotografias evidenciam o protagonismo de pessoas negras, indígenas e com deficiências.>
Segundo ela, fazer parte de uma homenagem à cidade e ter sua foto na Casa das Histórias é uma honra. “Eu adorei o convite, digo que agora sou imortal na cidade de Salvador. E eu amo essa terra, essa gente, acho que nós somos um povo diferenciado, que aqui até o sol é diferente”, declara.>
Ela conta que nem as barreiras físicas fazem com que ela goste menos de Salvador. “Eu nasci logo numa cidade que é dividida entre alta e baixa”, diz, aos risos. “Tudo aqui tem ladeira, as calçadas às vezes são estreitas. Tem muita coisa em Salvador que eu amo, mas muita coisa que eu amo e não posso estar, este corpo não pode estar. Este corpo queria ser banhado no mar do Porto da Barra, mas não há essa possibilidade. Mas, em compensação, eu vou para trás do Farol da Barra, contemplar o pôr-do-sol e bater palmas”, diz.>
Para Renan Benedito, responsável pelos retratos, a proposta do ensaio foi o olho no olho. “Eu entendi que esses retratos viriam com base na história dessas pessoas, com o áudio delas explicando a sua vestimenta, o que gostam de fazer. Eu recomendo que quem venha ouça todas as histórias com o maior cuidado possível, para entender como cada detalhe e cada diversidade são ricos”, indica o fotógrafo. >
Há 14 anos, Vilma Santos e José Eduardo Ferreira idealizaram o Acervo da Laje, projeto de memória artística e cultural e de pesquisas sobre o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Para comemorar este aniversário, o Acervo ganhou um espaço especial para expor suas obras, feitas por diversos artistas que fazem parte da iniciativa. >
Segundo Vilma, este é um momento histórico, em que o esforço pela amplificação da arte suburbana chega ao centro da cidade. “Trazer nossas histórias e memórias para cá é uma grande alegria. É importante para as pessoas perceberem que, para chegar na cidade, a nossa história depende das periferias, porque é lá que as coisas acontecem. Mostrar que o Subúrbio tem história e arte, não só violência”, diz.>
José Eduardo concorda. “Essa é uma conquista e uma celebração também de outros territórios da cidade, que muitas vezes são invisibilizados. Trazer essa exposição para cá é mostrar outras narrativas. Eu acho que às vezes nós temos muita dificuldade em ver a complexidade dos artistas de Salvador”, afirma. >
Outro destaque da exposição são as versões táteis, ou seja, que podem ser tocadas, de obras da Casa, como os azulejos de Prentice e a fotografia Tia Nola, de Marco Illuminati – que faz parte do Acervo da Laje. Além de permitir mais interatividade entre o público e as peças, a iniciativa promove a inclusão de pessoas com deficiências visuais, por exemplo. Segundo José, essa é uma prática do Acervo que eles fizeram questão de levar para a nova instalação cultural da cidade.>
“Essa é uma provocação, porque geralmente, quando a gente vai aos museus, não podemos fazer isso. As obras táteis vêm justamente para fazer essa continuidade desse trabalho de inclusão, porque a arte é para todo mundo. E nós, nas curadorias, é que temos que ficar atentos para que isso se torne cada vez mais possível e constante”, conta.>
*Com orientação de Fernanda Varela.>