COMUNICAÇÃO

ABI lança guia para jornalistas sobre coberturas de feminicídios

Objetivo é orientar as redações para evitar estereótipos e revitimização

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  • Gil Santos

Publicado em 30 de abril de 2024 às 10:58

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ABI Crédito: Gil Santos/CORREIO

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) lançou, nesta terça-feira (30), um Protocolo Antifeminicídio – Guia de Boas Práticas para a Cobertura Jornalística. O documento, voltado para jornalistas e profissionais da comunicação, apresenta orientações para a cobertura desse tipo de crime e tem o objetivo de evitar a construção de estereótipos e o fenômeno da revitimização.

Inicialmente, o material estará disponível em formato de e-book. O lançamento ocorreu na sede da ABI, no Centro Histórico, e contou com a presença de jornalistas, representantes de veículos de imprensa e de instituições públicas.

Segundo a associação, a intenção é combater a passividade e estimular a denúncia e as medidas de prevenção. A vice-presidente da entidade, Suely Temporal, explicou que o guia é uma prestação de serviços da ABI para toda a sociedade, uma vez que é através dos jornalistas que as pessoas se informam.

"Esse protocolo é uma produção coletiva de um grupo de pessoas. Homens e mulheres que se dedicaram à pesquisa sobre casos icônicos de feminicídio. Porque o feminicídio não é uma coisa de agora, e sim algo que vem acontecendo na nossa sociedade há décadas", disse Suely.

Durante o evento, foram citados dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia que apontam que, entre 2017 e 2023, foram registrados 672 feminicídios na Bahia, sendo que 92,6% dos crimes foram cometidos por companheiros ou ex-namorados das vítimas. Outro levantamento apontou que, em 2024, até fevereiro, já haviam sido registrados 7.800 boletins de ocorrência no âmbito da Lei Maria da Penha em todo o estado.

Os dados foram produzidos em cooperação com a Secretaria da Segurança Pública (SSP). O protocolo especifica o que é o crime de feminicídio, apresenta orientações para uma investigação séria sobre esses casos e as consequências legais das distintas formas de violências contra a mulher.

O documento também tem dados estatísticos, indicação de fontes e de redes de acolhimento. O protocolo é uma produção editorial da ABI e foi proposto, escrito e defendido pelas mulheres da instituição, com o patrocínio da agência ATcom e apoio institucional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba) e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O projeto gráfico é assinado pela designer Daniela Alfaya.

Tipos de violência contra a mulher

Segundo o e-book disponibilizado no evento, "a violência contra a mulher é caracterizada por qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, como expressa o art. 5º da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha". 

Existem alguns tipos de violência contra a mulher, que são divididas da seguinte forma, segundo o material:

VIOLÊNCIA FÍSICA: Qualquer agressão física, que deixe ou não marcas no corpo da vítima. Empurrar, chutar, amarrar, bater, puxar o cabelo, apertar o braço, beliscar, arremessar objetos.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: Toda ação que cause dano emocional e diminua a autoestima da mulher ou que vise controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Ameaçar, humilhar, insultar, perseguir, culpar, intimidar, controlar, proibir, vigiar, violar a sua intimidade.

VIOLÊNCIA SEXUAL: Qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual que não deseja ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

VIOLÊNCIA PATRIMONIAL: Ação de reter, subtrair, destruir parcial ou totalmente objetos, instrumentos de trabalho, ou documentos pessoais da mulher, bem como os seus bens, valores, recursos econômicos. Atitudes que venham a controlar ou a impedir que a mulher disponha do próprio dinheiro.

VIOLÊNCIA MORAL: Comportamento de xingar, desqualificar, acusar, caluniar, difamar, injuriar, ofender a honra da mulher, na presença ou na ausência de outras pessoas.

FEMINICÍDIO: A forma extrema de violência. É a ação de matar a mulher no contexto da violência doméstica e familiar ou por sua condição de mulher, sendo classificado como crime hediondo.

Bahia liderou casos de feminicídio no Nordeste

A Bahia registrou o maior índice de homicídios de mulheres no Nordeste em 2023, segundo levantamento feito pela Rede de Observatórios da Segurança, relatório “Elas vivem - Dados que não se calam”.

Em 2023, 1.463 mulheres morreram vítimas de feminicídio no Brasil. A Bahia registrou 108 feminicídios, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Já Salvador registrou 28,57% dos feminicídios da Bahia em 2023.

O estudo indica ainda que 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens.

Perfil das vítimas

Na Bahia, 34,29% das vítimas de feminicídio em 2023 tinham entre 40 e 59 anos. Além disso, o estudo observa que, de forma geral, quanto menor a renda, maior a chance da mulher já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem.

Entre as mulheres que relatam casos de violência, 35% ganham até dois salários mínimos, 28% entre dois a seis salários mínimos e 20% mais de seis salários mínimos. Os dados são do DataSenado / Observatório da Mulher contra a Violência, 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher.

Voltando à Bahia, foi registrado que 6.975 mulheres foram vítimas de violência sexual entre 2009 e 2017, com aumentos sucessivos ano a ano. Nesse período, mulheres vítimas de estupro na Bahia foram majoritariamente negras. A taxa foi de 16 casos por 100 mil, o dobro da taxa registrada entre mulheres brancas. Mulheres negras representaram 62% das vítimas de feminicídio no Brasil em 2022.

Em 2022, o estado registrou 4.031 estupros e estupros de vulneráveis, o equivalente à taxa de 55,36 por 100 mil mulheres.

Em 2021, de 3.858 mulheres assassinadas no Brasil, 2.601, ou 67,4% do total, eram negras. O risco relativo de sofrer um homicídio é 1,8 vez maior entre as mulheres negras do que entre as não negras

Lei Maria da Penha

Criada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha, foi a primeira lei brasileira a reconhecer a desigualdade de gêneros, tornando-se o principal instrumento legal de enfrentamento à violência doméstica. Em 2012 foi considerada pela ONU a terceira melhor lei do mundo na categoria.

Algumas mudanças ocorreram no âmbito da legislação que engloba os direitos da mulher. Confira em ordem cronológica:

Lei nº 10.778 de 24 de novembro de 2003 – Estabeleceu a notificação compulsória, em todo o território nacional, de casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados.

Lei nº 12.845 de 1º de agosto de 2013 – Tornou obrigatório o atendimento emergencial, integral e multidisciplinar de pessoas em situação de violência sexual nos hospitais.

Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013 - Fixou as diretrizes para o atendimento humanizado das vítimas de violência sexual por parte dos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde - SUS.

Lei nº 13.104 de 9 de março de 2015 (Lei do Feminicídio) – Alterou o Código Penal para estabelecer o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, incluindo-o na relação dos crimes hediondos.

Lei nº 13.718 de 24 de setembro de 2018 – Introduziu o crime de importunação sexual, caracterizando-o como a realização de ato libidinoso na presença de alguém sem o seu consentimento. Antes considerado contravenção, sujeito a multa, desde então pode resultar em pena variável de um a cinco anos de reclusão, ampliável em até dois terços caso o agressor tenha relação afetiva com a vítima.

Invalidação da tese da legítima defesa da honra - Em 1º de agosto de 2023, por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, usada por acusados de feminicídio, por violar os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Desde então, está afastado o uso da tese, tanto na fase processual quanto pré-processual, bem como perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.