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Maysa Polcri
Publicado em 22 de fevereiro de 2024 às 08:00
Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), a partir de fiscalização em campo e entrevistas com gestores públicos, apontou quais são os principais problemas das unidades prisionais do estado. Entre as violações apontadas pelo tribunal está a inconsistência jurídica sobre a situação dos detentos e a falta de espaços destinados para cultos religiosos. O fornecimento precário de alimentos e itens de higiene aparece como destaque negativo. >
Quando o estado não fornece o necessário, cabe aos familiares prover itens básicos. “Minha família não tinha condições de levar comida para mim e nada de higiene. A gente dependia da Igreja para conseguir absorvente e papel higiênico. A comida sempre foi horrível”. O relato é de A., uma mulher de 64 anos que ficou detida entre 2014 e 2017, no Conjunto Penal Feminino de Salvador. >
A auditoria do TCE classificou como 22% a oferta de assistência material nos presídios da Bahia, o que está previsto nos artigos 12 e 13 da Lei de Execução Penal. “A administração não estabelece normas que definem a relação de itens a serem fornecidos e as frequências de reposição dos materiais, o que gera indisponibilidade de kits de higiene pessoal dos detentos”, pontua o TCE. >
Ainda foi constatado que alimentos como frutas e verduras são guardados em recipientes inadequados, como sacos plásticos. “As refeições fornecidas não são medidas, uma vez que a cozinha das unidades inspecionadas não possuem balança, e são distribuídas em vasilhames coletivos”, ressalta o tribunal. >
A egressa, que passou três anos presa por conta do envolvimento com tráfico de drogas, denuncia ainda a precariedade do atendimento médico na unidade. “A gente ouvia as pessoas gritando de dor lá dentro. Falta remédio e médico. Eu precisei extrair oito dentes no período e foi horrível”, diz. >
A falta de setor responsável pela regularidade jurídica dos presos é um dos principais gargalos do sistema, segundo o TCE. Isso impacta na análise de processos de admissão e soltura, além de dificultar as condições de cumprimento de penas. Prova disso é que ao menos 415 pessoas estão mantidas atualmente em carceragens de delegacias de polícia, com o destino indefinido. >
A negligência no controle dos processos é mais grave para aqueles que não têm condições de bancar um advogado e recorrem à Defensoria Pública. O órgão, que presta a defesa gratuita, está presente em apenas 30% das comarcas da Bahia. “Quando não há defensores públicos no município, a Justiça nomeia um advogado dativo, que nem sempre consegue oferecer. AA atendimento próximo”, analisa Daniel Soeiro, coordenador do Núcleo de atuação estratégica da Defensoria. >
Para tentar mitigar o problema, o órgão realiza mutirões que levam atendimento jurídico às unidades prisionais do estado. No ano passado, ao menos 2.700 detentos participaram de ações desse tipo. O advogado criminalista Marcos Melo, ex-presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da Ordem dos Advogados da Bahia, ressalta que quase metade dos internos estão presos provisoriamente. Ou seja, aguardam decisão judicial privados de liberdade. >
“A prisão provisória se tornou regra quando deveria ser usada em exceções, é o caso de cerca de 45% dos presos. A demanda é gigante e defensoria não consegue atender”, pontua. Na auditoria do TCE, os problemas jurídicos aparecem ao lado da ausência de locais destinados à realização de cultos religiosos, o que fere a garantia de assistência religiosa, prevista em lei. >
“A administração não fomenta a realização de atividades religiosas, a exemplo da designação de setor ou profissional responsável por intermediar a realização de cultos junto às instituições religiosas, do controle da frequência de cultos em estabelecimentos penais e do credenciamento de instituições religiosas para atuação em estabelecimentos penais”, pontua o TCE. >
O trabalho realizado pelo TCE tem o objetivo de fornecer informações para a tomada de decisões. Os dados obtidos foram utilizados para o cálculo do Índice de Governança e Gestão de Segurança Pública (IGGSeg), através da metodologia fornecida pelo Tribunal de Contas da União (TCU). >
Após autuação do processo, os gestores serão notificados para terem conhecimento formal do relatório, podendo iniciar, de imediato, a adoção das providências necessárias. Após apresentarem esclarecimentos sobre as situações apontadas ao Conselheiro Relator, o processo seguirá até o julgamento pelo Plenário, quando serão emitidas determinações aos responsáveis.>
O acompanhamento da implementação das medidas será realizado futuramente pela Auditoria do TCE/BA de forma integrada com os Ministérios Públicos Estadual (MPE) e do Trabalho (MPT).>
A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) foi questionada sobre os resultados da auditoria divulgados pelo TCE. Em nota, a pasta pontuou que “há uma nova pauta para o sistema prisional: a implementação de um novo modelo de gestão penitenciária, baseado no trabalho, na educação, na produtividade e na utilidade social”. >
A Seap disse ainda que investe em ações de educação nas unidades prisionais o que, segundo a pasta, aumentou em 38% o número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) direcionado para pessoas privadas de liberdade (PPL). >
“Com o Projeto Projeto Educação que Empodera, para fomento da educação fundamental e média, hoje temos escolas e salas de aula em dezenas de presídios, com a metodologia de Ensino de Jovens e Adultos”, ressalta. >