Bahia registrou 129 assassinatos de mulheres e 70 feminicídios em 2023

Estado lidera em números de assassinatos de mulheres no Nordeste

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 8 de março de 2024 às 06:15

Violência contra a mulher
Violência contra a mulher Crédito: Shutterstock

A Bahia registrou 129 assassinatos de mulheres e 70 feminicídios em 2023. Com esses casos, o estado liderou em número de mortes de mulheres no Nordeste. Os dados são do boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver, divulgado nesta quinta-feira (7). O relatório foi realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, com base em informações de oito estados do Brasil, sendo eles Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí e Pernambuco.

No total, 386 ocorrências de violências foram computadas na Bahia do ano passado: 84 tentativas de homicídios/agressões, 70 feminicídios, 129 homicídios, 27 casos de violência sexual/estupro, 29 tentativas de homicídio, 10 casos de agressão verbal, 12 registros de cárcere privado, 11 sequestros, cinco transfeminicídios, dois casos de tortura e sete casos agrupados em ‘Outros’.

O número absoluto de ocorrências de violências no estado só ficou atrás do Rio de Janeiro, que foi palco de 675 casos do tipo. Os dois estados, inclusive, lideram os índices de violência do país, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2023. No entanto, a pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e assistente social Larissa Neves chama atenção para a distinção dos homicídios cujos alvos são mulheres daqueles que são indicadores da escalada de violência na Bahia.

“Quando falamos de violência no geral, esses estados são comparáveis. Só que violência é um fenômeno muito grande, então precisamos capilarizar e entender que, quando a Bahia se destaca como território mais violento, estamos falando de ações, operações policiais e fenômenos que são atrelados à dinâmica da segurança pública. Violência contra a mulher é também uma seara que olhamos a partir da segurança pública, mas é uma dinâmica que está muito mais atrelada a um contexto social e transitando até em um contexto educacional”, destaca.

Uma das especificidades da violência contra a mulher é o ódio de gênero, que reflete uma estrutura patriarcal e a presença cultural do machismo na sociedade. Larissa Neves acredita que é por conta desse ódio que mulheres são sistematicamente mortas. Na tipificação criminal, o homicídio movido por esse sentimento é chamado de feminicídio, crime que fica muitas vezes impune por subnotificação, segundo aponta a especialista.

“Os dados que são produzidos relacionados à violência de gênero não são suficientes para especificar a relação da vítima com o agressor. Temos um desafio que é o fato de as forças policiais não necessariamente estarem preparadas para identificar esse tipo de ocorrência. Então, esses registros dos casos de violência vão acabar não mostrando a intenção e a circunstância do crime, e isso vai levar a crer que os números são subnotificados. Estou falando: será que esses crimes que foram constatados como homicídios de certa forma não podem ser feminicídios?”, questiona.

Diante do cenário hostil às mulheres, a pesquisadora entende que a negligência com os dados se soma a outras causas que acabam normalizando a violência de gênero no estado. “As vidas dessas mulheres que foram mortas ou sofreram tentativa de feminicídio poderia ter sido salvas e esses ciclos de violência poderiam ter sido interrompidos pela intervenção efetiva de um Estado, que muitas vezes acaba negligenciando os dados, que não são novidade. [...] Somado a esse contexto, ou talvez podemos pensar que é fruto dele, existe uma sociedade que normaliza o ódio às mulheres, desencorajando, inclusive, a realização da denúncia”, afirma.

Eduardo Carvalho, pesquisador associado do Núcleo de Estados Interdisciplinares sobre a Mulher na Universidade Federal da Bahia (Neim/Ufba) aponta para outros fatores que também formam o contexto dos dados alarmantes no estado. “Podemos pensar não apenas aspectos culturais, como maior ou menor grau de naturalização e legitimação das infinitas formas de violência baseada no gênero, mas também aspectos econômicos e sociais, como diminuição de renda, e dificuldade de acesso aos serviços públicos de denúncia e proteção para as mulheres”, pontua.

Dos 70 feminicídios ocorridos na Bahia, 20 deles (28,57%) ocorreram em Salvador. Levando em conta a proporção populacional, o número de casos reflete, sobretudo, a interiorização da violência contra a mulher no território baiano. Para o pesquisador, falta acesso a serviços de proteção e assistência às mulheres em situação de violência nesses municípios distantes da grande metrópole, ainda que a Lei Maria da Penha imponha ao estado a necessidade de criação de centros de referência, casas-abrigos, delegacias e núcleos especializados na estrutura do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, entre outros serviços.

“Acontece que, nesse ponto, a implementação da lei ainda é precária e a maior parte dos serviços que existem estão nos grandes centros urbanos. Em cidades do interior do Estado, as mulheres podem ficar completamente desamparadas, não encontrando suporte do poder público para enfrentar as situações de violência a que são submetidas, antes que elas escalem para o grau extremo do feminicídio”, diz.

Além da falta de acesso, as mulheres distantes dos grandes centros urbanos se tornam ainda mais vulneráveis por conta de fenômenos presentes com ainda mais força no interior. “Nos centros rurais, já aconteceram casos, nos territórios da Bahia, de mulheres que ficaram em cárcere privado na fazenda e dentro de casa, porque elas não podiam trabalhar e o homem assumia a dinâmica da casa. A cultura machista está enraizada e essa cultura paternalista ainda existe nesses locais, acabando por perpassar nas dinâmicas desses crimes”, analisa Larissa Neves.

Quanto aos caminhos para tentar frear os números de violências de gênero, os dois especialistas concordam que é necessário investir cada vez mais em pesquisas e estudos que permitam compreender melhor as realidades locais, além de aprimorar o mecanismo de registros de dados. Ainda, a ampliação de unidades da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e a expansão do financiamento do programa de prevenção à violência contra a mulher também são alternativas sugeridas.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro