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Yan Inácio
Publicado em 10 de maio de 2025 às 06:00
“Algo dentro de mim começou a gritar que era hora, como se meu corpo soubesse de algo que minha mente ainda não sabia”, conta Letícia Maltez. No ano passado, a médica anestesiologista baiana foi tomada pela vontade repentina de ser mãe. Ela e o marido haviam planejado engravidar ao fim do ano, mas a descoberta de um câncer de ovário, que estava se espalhando por seu corpo, mudou tudo. >
“Naquele instante, o chão sumiu. Eu estava saudável, cheia de planos, pronta para ser mãe e recebi, de repente, um diagnóstico que parecia roubar tudo. O que mais me doía nem era a doença, era o medo de não poder mais viver a maternidade como eu sonhava”, relembra Letícia.>
A suspeita inicial era de endometriose, mas um diagnóstico avançado mostrou que ela precisaria retirar útero, ovários e trompas, o que a tornaria infértil. A única opção que restou para manter vivo o sonho de ter um filho com seu material genético foi coletar óvulos na cirurgia de remoção dos órgãos atingidos pelo câncer. Além disso, precisaria torcer para que estivessem férteis. >
Depois do procedimento médico, Letícia recebeu a boa notícia: 13 óvulos maduros foram captados e armazenados por congelamento. A oncologista Clarissa Mathias, responsável pelo tratamento de Letícia, explica que a opção de guardar óvulos por criogenia também pode beneficiar quem deseja ter filhos em outro momento da vida. “Existem muitas mulheres que hoje estão optando por desenvolver suas carreiras, terem filhas mais velhas e podem armazenar esses óvulos.”>
A atriz Angelina Jolie passou por um processo parecido. Por conta do histórico familiar com várias mortes causadas por câncer de mama e ovários, a celebridade decidiu realizar uma dupla mastectomia em 2013 e dois anos depois, em 2015, assim como Letícia, removeu ovários e trompas e congelou óvulos férteis para manter a possibilidade de ter outros filhos biológicos no futuro. >
A busca pela barriga solidária>
Letícia começou a quimioterapia no dia 17 de outubro e junto com o tratamento, veio a busca por uma barriga solidária para gerar o filho. Uma prima do marido logo se prontificou para gestar o bebê. No Brasil, a doação de útero é permitida entre parentes até o terceiro grau e a mulher se encaixava perfeitamente nessa possibilidade legal. Com apoio jurídico, médico e emocional, ela começou o processo durante as sessões de quimioterapia de Letícia. >
“Foi como se o universo tivesse conspirado a nosso favor. A avó do Gustavo [marido de Letícia], que é médium, disse à prima dele que essa era sua missão de vida, trazer essa criança ao mundo por nós. Ela também disse que esse bebê já existia espiritualmente, e que ela havia sido escolhida para nos ajudar a recebê-lo com amor. Foi impossível não se emocionar com tudo isso. Parecia um plano maior, sagrado”, conta a médica.>
Antes de serem implantados, os óvulos foram fertilizados com espermatozóides do marido de Letícia, Por isso, o bebê que já tem nome - Gabriel - tem material genético dos dois. A gestação começou em fevereiro deste ano e para a já mamãe, a maternidade mudou sua vida mesmo sem o vínculo ventral. >
“Quando ouvi os batimentos dele pela primeira vez, senti que renasci. Era como se ali estivesse o sentido de tudo o que enfrentei. Descobri que ser mãe é um amor que rompe a carne, transcende o corpo. É um amor que nasce antes do filho, e que encontra um caminho para existir seja por útero doado, adoção ou qualquer outro milagre da vida”, descreve.>
Agora, ela acompanha a gestação lado a lado com a mulher que está gestando seu filho. “Preparo seu enxoval, penso em cada cor do quartinho, acompanho cada consulta com o coração na mão e os olhos marejados. É uma gestação vivida com a alma”, diz, com emoção.>