Casa-mãe do Brasil: evento celebra os 40 anos de reconhecimento do Terreiro da Casa Branca

Mesa redonda foi realizada na Casa dos Sete Candeeiros, em Salvador, nesta terça-feira (28)

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  • Raquel Brito

Publicado em 28 de maio de 2024 às 22:06

Mesa redonda aconteceu nesta terça
Mesa redonda aconteceu nesta terça Crédito: Marina Silva/CORREIO

No dia 1º de junho de 1984, a manchete “Casa Branca é o primeiro monumento negro tombado” se destacava nas páginas do CORREIO. O tombamento do primeiro terreiro do Brasil, localizado no Engenho Velho da Federação, foi decidido no dia 31 de maio daquele ano. Quatro décadas depois, esse marco foi relembrado em uma mesa redonda na Casa dos Sete Candeeiros, em Salvador.

Com o tema ‘A emergência do patrimônio cultural afro-brasileiro: rememorando o MAMNBA e o tombamento do Terreiro da Casa Branca’, a mesa foi formada pelo presidente da Academia de Letras da Bahia, o antropólogo e professor Ordep Serra, ao lado da Iyalorixá Neuza Cruz e da professora, arquiteta e urbanista Márcia Sant’Anna, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA (FAUFBA). O professor, arquiteto e urbanista Fábio Velame, da FAUFBA, completaria o painel, mas precisou cancelar a participação.

Mãe Neuza, nona ialorixá da casa, afirmou, com orgulho, que o terreiro está completando 40 anos de resistência. “Eu acredito que se não tivéssemos sido tombados, nem existiríamos mais. Com a especulação imobiliária, teriam nos mandado para bem longe do centro da cidade. Mas nós confiamos e esperamos. E quem é do candomblé sabe: a nossa luta é a nossa espera”.

A votação para decidir o tombamento foi acirrada. Foram três votos a favor, duas abstenções, um voto contra e um nulo. O voto de minerva foi do secretário de cultura do então Ministério da Educação e Cultura (MEC), Marcos Vinicios Vilaça. A casa foi reconhecida efetivamente como patrimônio dois anos depois, no da 14 de agosto de 1986.

O tombamento teve influência direta do projeto Mapeamento de Sítios e Monumentos Religiosos Negros da Bahia (MAMNBA), executado entre 1982 e 1987, a partir de um convênio entre a Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM) e a Prefeitura Municipal de Salvador.

O projeto, coordenado por Ordep Serra e seu irmão, o também antropólogo Olympio Serra, e especificamente o caso do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, ‘forçou a porta’ da área técnica do Iphan, segundo a arquiteta Márcia Sant’anna. “A Casa Branca obrigou o Iphan a lidar com novos universos culturais, novos problemas e novas abordagens. Hoje, se nós temos antropólogos, sociólogos, arqueólogos e juristas dentro do instituto, eu acho que se deve a esse processo, porque o Iphan era uma casa de arquitetos”, afirmou.

Mãe de todas as casas

Chamada de “mãe de todas as casas” pelo poeta Francisco Alvim e dona da predileção do fotógrafo franco-brasileiro Pierre Verger, a Casa Branca recebeu apoio de nomes como a artista visual Bete Capinan e o escritor Jorge Amado, que retratou a luta pelo tombamento de modo fictício no livro “O Sumiço da Santa”, de 1988.

Ordep, que além de antropólogo é ogã da Casa Branca, conta que o terreiro foi fundado por Iyá Nassô, uma princesa do império iorubano de Oió. Segundo ele, ela chegou ao Brasil como escravizada, mas, como era uma grande liderança, rapidamente congregou as pessoas para se unirem a ela.

No início, em 1820, o terreiro era localizado na Barroquinha, e apenas depois de 40 anos passou a ser onde funciona atualmente. Do Ilê Axé Iyá Nassô Oká surgiram outros dos templos mais notáveis da história soteropolitana, como o Gantois e o Axé Opô Afonjá.

“Pessoas que foram iniciadas lá abriram outros terreiros. Mãe Aninha, que fundou o Opô Afonjá, por exemplo, fez santo na Casa Branca, então tem um vínculo de mãe para filha entre as casas. A Casa Branca é uma casa-mãe”, disse.

Segundo Mãe Neuza, a fundação das outras casas fortaleceu a batalha constante dos terreiros. “Esse movimento [de abrir novos templos] foi feito por três filhos daqui, um já falecido. Dois continuam aqui lutando pela nossa preservação. O povo de santo não para de lutar, é só resistência e insistência”.

Apesar de estar instalado no mesmo ponto por mais de 100 anos, a permanência da Casa Branca ainda estava ameaçada antes do tombamento, porque não tinha posse da terra, chegando a pagar arrendamento.

Houve um tempo em que a prefeitura tentou exigir que o terreiro pagasse Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU), o que, segundo o ogã, denunciava a dificuldade de reconhecer um centro de religião africana como um templo religioso.

“O tombamento garantiu a continuidade do terreiro e preservou uma memória secular. A luta continua até hoje. O terreiro foi tombado pela prefeitura antes de existir o Livro do Tombo, porque o prefeito se sentiu pressionado por receber telegramas do Brasil inteiro questionando o que aconteceria com o local, que estava muito ameaçado”, contou Ordep.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.