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Da Redação
Publicado em 7 de setembro de 2024 às 14:00
Uma comunidade quilombola foi alvo de uma invasão na noite da última quarta-feira (04). Os quilombolas do Toque da Gamboa, localizado na Ilha de Tinharé, do município de Cairú, no baixo sul do estado, afirmaram ter casas e roças destruídas por um grupo de homens, entre os quais, alguns vestiam fardamento da Polícia Militar da Bahia. A corporação nega ação na localidade. >
De acordo com relatos, era por volta de 19h quando o grupo se direcionou para o local do assentamento. "Temos vídeos deles chegando na nossa comunidade, e quando chegaram lá, como não acharam ninguém, eles tocaram fogo nos barracos, pisaram nossas plantações e derrubaram cercas", conta um morador que não quis ser identificado. >
Residentes do quilombo acrescentaram que o grupo estava "fortemente armado" e eram "pessoas fardadas, descaracterizadas, não se identificando como polícia, mas, sim, como segurança particular". Segundo eles, os homens que vestiam o uniforme da PM não participaram dos atos, mas ficaram na entrada do quilombo enquanto os demais vandalizavam o local. "A Polícia Militar não esteve lá dentro para fazer isso, mas eles fizeram a proteção da área externa do quilombo, impedindo que os moradores retornassem", contou outro residente.>
Procurada, a PM informou que nenhuma equipe da instituição foi acionada ou direcionada para o local na noite do ocorrido. Veja a nota da Polícia Militar na íntegra: >
"De acordo com a 33ª CIPM [Companhia Independente de Polícia Militar], não há registro de acionamento para fato semelhante na data e local informados. De igual modo, não há registro de cumprimento de mandado de reintegração de posse ou de apoio a outros órgãos na ocasião. A corporação ressalta que qualquer denúncia pode ser apresentada na Ouvidoria (0800-284-0011) ou na Corregedoria da PM, localizada na Rua Amazonas, nº 13, Pituba, em Salvador. A Polícia Militar se compromete em apurar cada fato denunciado de forma cuidadosa e imparcial.">
Conforme relatos, alguns moradores que já estavam morando no local foram para casas alugadas e outras voltaram para a antiga residência da família. "Destruíram tudo, casa, cama, sofá, tocaram fogo em tudo, em tudo que tinha dentro dos barracos", lamentaram.>
Acuada e com receio de represálias, a comunidade afirmou ainda não chegou a registrar um boletim de ocorrência na Delegacia Territorial que atende à região. Entretanto, o grupo foi orientado a prestar a queixa formalmente para gerar uma notificação junto à Ouvidoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).>
A comunidade acredita que os atos de vandalismo são parte do conflito pelo território do quilombo. Moradores relataram que um suposto fazendeiro alega ser proprietário de toda a extensão de terras que inclui a comunidade do Toque da Gamboa. "Ele que está fazendo essas ações policiais aqui dentro da comunidade. Tem um grupo deles que atua fazendo justamente as intervenções", sugeriram.>
"Quando nós ocupamos [o território], nós sabíamos que nunca foi de ninguém ao longo de décadas e mais décadas, quando o nossos antepassados usavam ali para fazer roças e plantações", afirmaram.>
Segundo as informações dos quilombolas, a representação da comunidade foi intimada, após o ocorrido, a comparecer na Delegacia Territorial Cairu "a fim de prestar esclarecimentos, conforme o interesse da Justiça Pública".>
A Polícia Civil foi procurar para esclarecer qual a razão da intimação, mas não houve retorno. >
O quilombo Toque da Gamboa recebeu a certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP) em março deste ano. O processo de reconhecimento das terras está em andamento no Incra em conjunto com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU). O órgão informou que a comunidade, juntamente com Batateira, Garapuá, Zimbo e Galeão, integra o território quilombola de Ilha de Tinharé.>
Foi aberta uma consulta à Procuradoria Federal Especializada (PFE), para que seja adotada neste processo a Portaria Interministerial MDA/MPOG 210/2014. Caso seja aprovada a aplicação da portaria, não será necessário o cumprimento da etapa de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), visto que se trata de uma ilha, portanto, área da União. >
O RTID é a fase mais complexa da regularização fundiária de um território quilombola, visto que demanda um conjunto de documentos que inclui relatórios antropológicos, históricos, agronômicos, fundiários, ambiental, entre outros.>
Atualmente, equipes do Incra e da SPU realizam o Relatório Técnico de Caracterização Territorial das comunidades da Ilha de Tinharé, para caracterizar a área do ponto de vista histórico-antropológico, ambiental e fundiário, para determinar as delimitações do território. >
Segundo moradores, o processo foi iniciado em outubro do ano passado e em dezembro houve um levantamento, junto a SPU para reconhecer as dimensões do território.>
A comunidade é historicamente habitada por população negra rural, remanescente de quilombo, que tem como fonte de sobrevivência a pesca, a pequena agricultura e o turismo de base comunitária.>