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Perla Ribeiro
Publicado em 9 de maio de 2025 às 08:20
Nunca houve um baiano que chegou ao posto máximo da Igreja Católica, mas se engana quem pensa que nenhum conterrâneo nunca tentou o feito. Sim, um baiano de Salvador já alimentou o sonho de ser papa e fez malabarismos para tentar ocupar o mais alto posto no Vaticano. Trata-se de Antônio Dias Quaresma (1681–1756), um senhor de escravos que acreditava ter sido escolhido por Deus para liderar a Igreja Católica. Dono de terras e minas, ele protagonizou diversos escândalos pessoais, viveu em diversas regiões do Brasil e, aos 52 anos, ordenou-se padre na Ordem dos Servos de Maria, em Roma, adotando o nome de frei Uguccione Maria Antônio. >
Autodidata, leitor e escritor compulsivo, profundamente envolvido com textos místicos e sobre espiritualidade, Quaresma, que viveu também nos estados de São Paulo e Minas Gerais, constituiu família e acumulou bens ao longo da vida. Mas, em determinado momento, passou por uma conversão radical. Abandonou tudo e partiu para a Europa em busca de seus presságios. Já no Velho Mundo, passou por uma experiência mística durante uma peregrinação à Santa Casa de Loreto, na Itália. Foi então que decidiu deixar tudo para trás e seguir o que acreditava ser o seu destino. Em menos de um ano se ordenou padre.>
Em Roma, ficou conhecido como "o santo vindo das terras do Além-Mar". Isso o fez alimentar o sonho grandioso de se tornar o próximo Papa — sonho que, apesar de não se concretizar, deixou marcas na Ordem religiosa à qual se vinculou, como um legado de documentos históricos raros de se encontrar para a Época Moderna, e sobretudo para a História do Brasil Colonial. >
“Apesar de um percurso mirabolante, digno de uma ficção, ele foi real, existiu e até o último momento acreditava que poderia vir a ser Papa. A trajetória desse brasileiro demonstra como são absorvidas ideias messiânicas e como elas se entrelaçam com projetos de poder a fim de interferir nos rumos da História, pese ele não ter alcançado o seu intento, destaca a historiadora Maria Lêda Oliveira, autora do livro O Baiano que Sonhou Ser Papa.>
Doutora em História, Maria Lêda explica que Antônio construiu sua própria percepção de mundo, num universo em que luz e escuridão andavam juntas. "Sua história é um alerta de que o racionalismo e o ideal de progresso sempre foram, e continuam sendo desafiados por concepções particulares, visões messiânicas e projetos de poder", pondera a autora.>