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Maysa Polcri
Publicado em 15 de janeiro de 2024 às 06:00
No ano em que o primeiro bloco afro do Brasil completa seu 50º aniversário, a escolhida para representar o Ilê Aiyê só poderia ser quem já subiu e desceu a ladeira do Curuzu incontáveis vezes. Coroada como Deusa do Ébano de 2024, Larissa Valéria Sá Sacramento ficou conhecida no bairro aos 14 anos, quando já elevava a autoestima da mulherada como trancista em um salão de beleza. Aos 29, é professora de dança, esteticista, empresária e mãe. O currículo extenso é fruto não só da necessidade, mas da vontade de transmitir a potência de uma guerreira de raízes ancestrais. >
Para Larissa, o desejo de ser independente apareceu ainda na infância. Caçula de quatro mulheres, aproveitou a diferença de idade entre a irmã mais velha para pedir um favor escondido. “Levei minha irmã no salão e fingi que ela era minha mãe para eu ser contratada. Sempre fui muito vaidosa e queria dinheiro para comprar maquiagem e fazer meu cabelo”, conta ela, que foi coroada Princesa do Ébano em 2023.>
Aos 11 anos, ela já trançava o próprio cabelo e encantava outras mulheres. Por isso, um dia antes de ser eleita Deusa do Ébano, na 43ª Noite da Beleza Negra, no sábado (13), Larissa fez questão de fazer o próprio penteado. >
Depois de construir uma rede de clientes fiéis, passou a atender em domicílio e conciliar o trabalho como professora de dança em escolas municipais. Só em 2019, abriu seu próprio negócio e o bairro escolhido onde nasceu e se criou: “Quando decidi procurar um ponto fixo, sabia que não tinha lugar melhor que o Curuzu. Um bairro negro, empoderado e que, de ponta a ponta, todo mundo sabe que a beleza existe”.>
É no Curuzu que a história de Larissa se confunde com a do Ilê. Seu pai conheceu sua mãe na Senzala do Barro Preto, sede do bloco, onde Larissa foi eleita Deusa do Ébano. O contato desde nova com a negritude fez com que ela tivesse a consciência de sua própria beleza: “Foi o que sempre me abriu as portas ao longo da vida”. >
Em outubro do ano passado, enquanto se preparava para participar do concurso, Larissa descobriu que estava grávida de cinco meses. A gestação poderia representar uma dificuldade, mas ela transformou o nascimento de Pyetro Lorenzo em combustível.>
“Dancei até os 9 meses e tive que trabalhar meu psicológico. Fui muito julgada por pessoas que diziam que eu deveria ficar em casa”, relembra. Com a proteção dos orixás, a filha de Obaluaê se manteve firme rumo ao objetivo. “Pisar naquele palco já passa uma sensação ancestral e é preciso estar em paz com a ancestralidade para estar lá. A gente não brinca de orixá e nem de religião. Eu trago comigo a história do meu santo”, diz.>
Mesmo com o troféu exposto na mesa de casa, na Liberdade, onde mora atualmente, Larissa revela que a ficha ainda não caiu: “Acho que só vou entender que sou a Deusa do Ébano no Carnaval”. Será quando uma multidão acompanhará a tradicional saída do Ilê e Larissa caminhará novamente pelas ruas do Curuzu. Dessa vez, devidamente coroada.>
O reconhecimento, porém, começou antes disso. A Deusa do Ébano mobilizou uma torcida de mais de 20 pessoas, colegas de trabalho, vizinhos e clientes, que vibraram muito. Quando foi ao mercado na manhã seguinte, ouviu elogios e muitos ‘parabéns’ dos vizinhos. Uma das irmãs de Larissa também participou do concurso. >
Até quando fala do futuro, Larissa Valéria não deixa de pensar na coletividade. Para ela, não adianta estar no topo se isso significa abandonar seus pares. Com o título, ela almeja, além de brilhar com o Ilê, criar uma rede que conecte empreendedoras negras. “Sei que muitas oportunidades vão aparecer. Tenho o sonho de fazer uma empresa de diferentes técnicas estéticas para mulheres negras de todas as classes. O nome do meu estúdio de beleza é Aconchego porque meu desejo sempre foi acolher mulheres como eu”, revela. >