Conheça o tutor que leva cachorro com doença terminal para viajar o mundo

Na esquina da Rua Alfredo Magalhães e a Avenida Oceânica, próximo ao Farol da Barra, um veículo estacionado na orla chama atenção de quem passeia no dia quente de primavera. Uma van modelo Fiat Ducato preta que, no lugar dos bancos, tem pia, colchões e uma cadeira típica de barbearia. Diego Araújo, 36, responsável pelos cortes de cabelo, divide o espaço de pouco mais de 10 m² com uma companhia improvável: um bulldog inglês de 25 quilos. A viagem da dupla, que passa uma temporada em Salvador, começou há mais de um ano, depois que o pet foi diagnosticado com uma doença terminal.

“Eu vejo que ele fica feliz quando me vê feliz. Se fosse eu no lugar dele e estivesse perto de morrer, o que eu gostaria que fizessem por mim? Foi a partir dessa pergunta que decidi viajar o mundo”, resume Diego Araújo. Mas para entender como o curitibano e o cachorro Jhonson, apelidado carinhosamente de Gordo, chegaram até uma vaga de Zona Azul na orla da Barra, é preciso voltar no tempo. Mais precisamente há três anos.

Na época, Diego era dono de uma barbearia que também abrigava um estúdio de tatuagem e uma loja de materiais de surf em Navegantes, no litoral de Santa Catarina. Era casado e levava uma vida tradicional em um apartamento da cidade. A vida começou a mudar depois que o bulldog que havia adotado há um ano ficou internado. Foi quando veterinários descobriram a insuficiência renal crônica. Com o diagnóstico veio a expectativa de vida: Gordo viveria por mais um ano.

A relação entre pet e tutor começou com uma pesquisa de Diego para adotar um bulldg inglês na internet. "Eu sempre achei fofinho e quis ter um cachorro assim. Ele foi o único que encontrei, lembro até hoje que usava uma gravatinha marrom", rememora. Depois do diagnóstico, a amizade ficou mais intensa e eles não se desgrudaram mais. Diego não queria desperdiçar nenhum momento longe do seu primeiro cachorro e fiel escudeiro. 

“Eu comecei a curtir com ele. Levava para todos os lugares: barbearia, festa, praia”, conta. Em meio à pandemia da covid-19, Diego acompanhava o número de pessoas que morriam por conta doença. Foi como uma virada de chave e ele decidiu colocar em prática um desejo antigo que estava adormecido. A já sonhada viagem pelo mundo agora ganharia um motivo especial: aproveitar os últimos anos de vida do cão.

Mas como rodar o mundo sem dinheiro guardado? “Eu sou barbeiro e as pessoas cortam o cabelo em todo lugar”, diz. A reflexão simples rendeu bons frutos. Diego financiou uma van e depois de uma reforma que durou alguns meses e custou R$40 mil, pegou a estrada com Gordo. No primeiro dia de 2022, eles saíram de Florianópolis em direção ao litoral braisileiro.

Desde então, já foram mais de 20 cidades visitadas e incontáveis cortes de cabelo e barba. Além de acompanhar o dono no trabalho, o pet surfa e anda de skate. Muitos momentos são registrados e postados no perfil @tudopelodog, no Instagram. Os cliques já renderam atenção de surfistas famosos, como Gabriel Medina e Ítalo Ferreira. A meta do tutor é chegar na Califórnia, onde acontece anualmente um campeonato de surfe para cachorros.

Para manter a saúde do pet em dia, Diego leva Gordo para fazer exames a cada seis meses. O cão se alimenta de uma ração especial e toma medicamentos diariamente. Por mês, os custos com o pet chegam aos R$700. Apesar de estar estável, a cada dia que passa o cão fica mais debilitado. "Quando a gente começou a viagem ele conseguia pular, tinha mais ânimo. Hoje eu percebo que ele fica mais cansado", lamenta. 

Já para tornar a barbearia móvel rentável, Diego traçou estratégias que segue toda vez que para em um novo lugar. Antes de qualquer coisa, conversa com os moradores locais para saber onde estacionar a van e ter mais informações sobre a cidade.

O que à primeira vista parece ser uma viagem solitária, é, na verdade, um itinerário construído coletivamente. “Eu estava no sul da Bahia, em Itacaré, e as pessoas de lá disseram que eu deveria vir para Salvador”, conta Diego, que nunca tinha pisado em solos baianos até então.

Seguindo dicas de moradores, ele escolhe pontos visitados pelos turistas, que são os principais clientes da barbearia. Os cortes custam entre R$25 e R$50. Somente um dia de trabalho na Barra lhe rendeu R$300. “Eles acham o máximo cortar o cabelo em frente ao mar”, revela.

O desejo da dupla, que chegou em Salvador na segunda-feira (16), é permanecer na capital até depois do Carnaval. A cidade em que eles passaram mais tempo foi o Rio de Janeiro, onde ficaram por 11 meses. Na Barra da Tijuca, bairro nobre da capital, Diego chegou a lucrar R$10 mil por mês.

O estilo de surfista despojado que não segue planos à risca divide espaço com a mente inquieta de empreendedor, que tem seu próprio negócio desde os 18 anos. “Vai ser um pouco mais difícil entrar nos Estados Unidos. A minha ideia é começar um programa de entrevistas enquanto corto cabelos e postar no YouTube. Assim, posso conseguir o visto de nômade digital”, planeja.

Diego, que não se vê mais preso em uma vida tradicional, pretende continuar com a volta ao mundo mesmo quando Gordo partir. “Eu ainda tenho vontade de casar de novo e ter filhos, mas, no futuro, quando for mais velho”, diz vagamente. Ele guarda uma lista dos locais que mais gostou de visitar para escolher onde morar quando aposentar a van. Recém apaixonado por Salvador, admite que a Bahia é uma forte candidata da lista.

Enquanto conversava com a reportagem na tarde de tarde de quarta-feira (18), Diego Araújo recebia olhares curiosos de transeuntes. A cadeira de barbearia e o inscrito "corto cabelo e barba para viajar o mundo" na van geram interesse dos clientes que topam mudar de visual no lugar inusitado. Mas se seguir no ritmo financeiro que está agora, Diego calcula que vai demorar quatro anos para chegar na Califórnia, onde acontece o campeonato mundial de surfe para cachorros. 

O medo do cão não aguentar o longo período fez com que o tutor encontrasse uma alternativa para aumentar a margem de lucro através das redes sociais. O perfil do Gordo no Instagram, que acumula mais de 23 mil seguidores, oferece a possibilidade de conteúdos exclusivos por uma assinatura mensal de R$4,99. Além de um canal de transmissão, os assinantes têm acesso aos bastidores e itinerários da viagem.

Com mais dinheiro em mãos, a dupla pode acelerar a viagem. “Se mil pessoas assinarem já seria muito bom. Ao invés de passar 12 horas por dia trabalhando, posso reduzir esse tempo e curtir mais com ele”, explica. Além dos custos com o cachorro, Diego paga parcelas de R$1,5 mil do financiamento da van, que deve ser quitada até maio. Só com o estacionamento da Zona Azul, são mais de R$15 por dia. Os custos da dupla chegam aos R$5 mil por mês no total.

A missão de tornar os últimos anos de vida do cão uma viagem pelo mundo não é tarefa fácil, mas a companhia diária faz a aventura valer a pena. “O Gordo me ensinou a ver a vida de outra forma, me fez fugir da razão e me encorajou a me virar na estrada. É minha companhia para o que der e vier”, diz.