Dois litros pode ser muito: veja cálculo para saber quanto de água beber

Especialistas apontam riscos da falta, mas também do excesso de consumo diário

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 14 de janeiro de 2024 às 07:00

Quantidade ideal pode variar conforme peso, idade, sexo, região onde mora e frequência de prática de atividade física
Quantidade ideal pode variar conforme peso, idade, sexo, região onde mora e frequência de prática de atividade física Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

Entre os sucessos do TikTok, uma garrafa de água. Toda colorida e com capacidade para dois litros, ela traz marcações de horário e frases motivacionais como “você está quase lá”, “não desista” e “você conseguiu!”. Na onda da moda, também surfam calculadoras on-line de consumo diário e aplicativos com lembretes.

A meta dos dois litros por dia virou senso comum, mas os especialistas garantem que essa quantidade pode ser um exagero e que a coisa não é tão simples assim. Sem consenso em meio à comunidade médica, as orientações para consumo de água exigem cálculos e dependem de uma série de fatores.

Entre eles, estão peso, região, estação do ano, alimentação e prática de exercício físico. Quanto mais massa corporal, mais líquido será necessário para o bom funcionamento do corpo. E quanto mais suor, seja ele gerado por atividades físicas ou simplesmente pelo clima da região, mais água deve ser ingerida.

Fazendo as contas

A psicóloga Gabriella Hohlenwerger, de 24 anos, mora em Salvador e pratica crossfit. Ela e sua coleção de garrafas de água são inseparáveis. “Bebo entre 2,5 e 5 litros por dia. Tenho uma garrafa em todo canto, seja em casa, no trabalho ou ainda na casa de amigos e familiares”, conta. Mas será que ela bebe a quantidade ideal? Vamos calcular!

A presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia Sessão Bahia (SBN Bahia), Ana Flávia Moura, destaca uma fórmula recomendada por instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS) para o cálculo da quantidade ideal aproximada de água a ser ingerida diariamente. “São 30 mililitros por cada quilo. Se uma pessoa pesa 60kg, ela deve beber 1.800ml, ou seja, 1,8 litros. Lembrando que aí não entram na conta outras bebidas e alimentos”, aponta.

A nutricionista e coordenadora de comunicação da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban), Lara Natacci, traz ainda a recomendação do Institute of Medicine (IOM), dos Estados Unidos, que considera o valor total de bebidas.

  • 0 a 6 meses – leite materno
  • 7 a 12 meses – 0,6L
  • 1 a 3 anos – 0,9L
  • 4 a 8 anos – 1,2L
  • 9 a 13 anos (masculino) - 1,8L
  • 9 a 13 anos (feminino) - 1,6L
  • 14 a 18 anos (masculino) - 2,6L
  • 14 a 18 anos (feminino) - 1,8L
  • 19 a 70 anos (masculino) - 3L
  • 19 a 70 anos (feminino) - 2,2L
  • Gestantes – 2,3L
  • Mulheres em amamentação - 3,1L

Água demais faz mal?

Pelo cálculo da OMS, Gabriella, que pesa 58kg, precisaria beber cerca de 1,7 litros de água. Pelo cálculo da IOM, 2,2l totais de bebidas. As duas opções estão abaixo do que ela realmente ingere. Ana Flávia Moura diz que, para pessoas sem doenças renais ou condições especiais de restrição de sal, não há problema em beber a mais, desde que não haja exagero. “Seis a sete litros por dia já pode ser exagero, mas intoxicações por água são raras e só acontecem quando há ingestão rápida de grande quantidade, acima da capacidade renal de eliminação, que é de 0,7 a 1 litro por hora”, complementa Lara Natacci.

Água em excesso pode provocar complicações neurológicas
Água em excesso pode provocar complicações neurológicas Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

Em agosto de 2023, a estadunidense Ashley Summers, de 35 anos, morreu por intoxicação após beber cerca de dois litros de água em 20 minutos no estado de Indiana. Devon Miller, irmão de Ashley, contou o relato à WRTV, uma emissora de televisão local. Em caso de água em excesso, além do comprometimento do rim, pode ocorrer a baixa na quantidade de sódio, o que provoca risco de complicações, principalmente neurológicas, como desorientação, convulsão, coma e, em casos mais graves, óbito.

Assim como há problemas no excesso, também há na falta, o que é mais comum se ser escutado por aí. A água é fundamental para o bom funcionamento do corpo, ajudando a regular o metabolismo. Dela dependem atividades como a manutenção da temperatura, mobilidade das articulações, transporte de nutrientes, respiração e digestão. 

A professora baiana Mônica Cristina Ferreira, de 50 anos, precisou enfrentar três quadros de cálculos renais, mais conhecidos como pedras nos rins, e duas cirurgias por beber pouca água. “Foi aí que eu vi que tinha que mudar meus hábitos. Hoje eu bebo em torno de 2,5 litros por dia. Tenho uma garrafinha de 500ml e vou repondo”, compartilha Mônica.

A nefrologista Ana Flávia Moura explica que os cálculos são formados pela reação entre as toxinas presentes no rim, que não consegue diluí-las quando há falta de líquido. A presença de água no corpo, portanto, demanda um equilíbrio perfeito.

Dentro e fora do corpo

O corpo humano sabe a medida certa para manter funcionando a complexa máquina, formada por cerca de 70% de água. A especialista em ecologia e professora de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Aliny Pires, destaca que, assim como a molécula de H2O se faz necessária para a manutenção do corpo humano, também se faz para o planeta Terra como um todo, que tem 70% de sua superfície coberta por água. Será coincidência?

Para os adeptos do misticismo, é uma conexão sobrenatural. Para os cientistas, a relação a ser feita é simples e tem explicação. “A tabela periódica é a ferramenta fundamental para entendermos a composição de tudo. Nela, dois elementos químicos se destacam: hidrogênio e oxigênio, que compõem a água. O primeiro é o mais abundante no universo; já o oxigênio, é o terceiro mais presente, atrás do hélio”, diz o físico e doutor em astrofísica, geofísica e ciências atmosféricas, Alan Alves Brito.

Em resumo, somos compostos pelos mesmos elementos químicos que estão por aí no universo, incluindo aqueles que compõem a água, mas também outros como cálcio (nos ossos) e ferro (no sangue), que vêm de estrelas massivas (termo técnico da astronomia e da física). Não à toa, Alan explica que a teoria mais aceita é a de que a água chegou à Terra através de cometas, asteroides ou meteoros.

“Chegamos à essa possibilidade através da comparação química entre eles e a água dos oceanos. Por isso também, apesar da ausência de estudos conclusivos e aprofundados, há indicações de presença de água em locais como Marte e algumas luas de Júpiter. E não podemos esquecer de que há muito ainda a ser explorado porque já temos cinco mil planetas catalogados fora do sistema solar”, destaca Alan, que é baiano e professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF/UFRGS).

Mas nem todos os locais terão água em estado líquido, que é a força-motriz da vida como conhecemos. “A distância que a Terra tem do Sol permite um balanço ideal energético para garantir a manutenção de água abundante no estado líquido. Nem longe demais para tudo congelar e nem perto demais para tudo virar vapor”, coloca Aliny Pires. A presença de água na Terra, portanto, também demanda um equilíbrio perfeito.

  • Para saber mais sobre o assunto, confira o livro "Astrofísica para a educação básica: a origem dos elementos químicos no universo", de autoria de Alan Alves Brito, finalista do Prêmio Jabuti 2020.