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Polícia

“Eles entram no gabinete e perguntam cadê o juiz”: conheça a magistrada baiana exemplo para meninas negras

Luciana Paim, 42, tomou posse como juíza em 2021

Publicado em 20/11/2023 às 07:08:19
Luciana Paim é titular da Comarca de Sobradinho, na Bahia
Luciana Paim é titular da Comarca de Sobradinho, na Bahia. Crédito: Acervo Pessoal

Nas salas onde tinha aulas do curso de Direito na Universidade de Feira de Santana (Uefs), Luciana Paim, 42, sempre foi uma das poucas mulheres negras. A realidade era a mesma enfrentada em escritórios de advocacia e no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), onde trabalhou. Quando decidiu seguir o caminho da magistratura, sabia que seria exceção entre os colegas brancos. O que poderia servir de obstáculo, no entanto, virou motivação e, hoje, a juíza inspira novos talentos a lutarem pelos seus sonhos.

Até que a Luciana Paim assumisse o posto de juíza titular da Comarca de Sobradinho, na região do Vale do São Francisco, precisou enfrentar uma jornada cheia de altos e baixos. “Como mulher preta, eu sempre entendi que meu caminho seria mais longo do que o da maioria das pessoas. Nós não temos as mesmas oportunidades e, muitas vezes, nem conseguimos chegar onde sonhamos”, diz.

Ao longo de dez anos, Luciana perdeu as contas de quantos lugares abriu um livro para estudar. Dos intervalos do almoço quando trabalhava como assessora de juiz no TJ-BA até o deslocamento dentro dos vagões do metrô: qualquer circunstância virava oportunidade para ficar mais perto do objetivo de passar no concurso. Conciliar a jornada de oito horas diárias com os estudos ficou ainda mais difícil em 2018, quando descobriu que estava grávida do primeiro filho.

“O concurso de magistratura exige alta performance e eu concorria com pessoas que, diferente de mim, não precisavam trabalhar para se manter”, relembra. “Meu filho desenvolveu um processo alérgico muito grave e eu passava várias noites acordada para cuidar dele e, ao mesmo tempo, estudar”, completa. Para isso, ela contou com a parceria do marido, que é engenheiro elétrico. 

Luciana estudou durante dez anos até se tornar juíza, em 2021
Luciana estudou durante dez anos até se tornar juíza, em 2021. Crédito: Acervo Pessoal

Luciana Paim tomou posse em 2021 e trabalhou em Xique-Xique antes de assumir a Comarca de Sobradinho. Mesmo tendo alcançado a posição que sonhou desde os primeiros anos da faculdade, a juíza enfrenta cotidianamente o racismo, mesmo que velado. É como se ela precisasse se esforçar mais do que os colegas brancos para mostrar que é uma boa profissional. “Nós, mulheres pretas, somos colocadas mais à prova em qualquer circustância e aqui não é diferente”, afirma.

A necessidade de comprovação é acompanhada da surpresa, afinal, é comum que pessoas não a reconheçam como juíza titular. “Em vários momentos eu já percebi a expressão da surpresa das pessoas ao entrarem no gabinete e me veem. Chegam a perguntar ‘onde está o juiz’ e eu digo que sou eu”, fala.

Apesar de a maior parte da população brasileira ser feminina (51,4%) e formada por pretos e pardos (56%), o judiciário está longe de representar essa parcela da sociedade. Os magistrados e magistradas negros formam apenas 1,7% do total de juízes do país, de acordo com o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e divulgado em setembro deste ano.

“Ao longo da minha trajetória eu não vi representatividade. Me deparei com pouquíssimos juízes pretos no judiciário da Bahia nos locais onde trabalhei. Também eram poucos chefes negros em escritórios e na faculdade”, diz. No que depender de Luciana, os primeiros passos para mudar essa realidade já foram traçados. 

“Meu papel hoje, mais do que me debruçar sobre processos, é mostrar que o judiciário pode ser diferente e acessível para outras pessoas como eu. É preciso dar novos caminhos e oportunidades para que jovens negros possam sonhar”, afirma. O trabalho dela começa dentro de casa, onde já é inspiração para o marido, um homem negro retinto, e para os dois filhos de 5 anos e 1 ano.

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