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Águas torrenciais trouxeram alguns prejuízos isolados
Nilson Marinho
Publicado em 11 de março de 2024 às 05:00
Se vem mansa, na medida certa, a chuva faz brotar do chão a riqueza que fortalece a economia local; quando chega de sobressalto, demasiada e mal distribuída, erode e encharca o solo, causando perdas e atrasos da safra. Os danos também são os mesmos quando elas não vêm.
A Bahia experimenta os dois extremos. De um lado, uma seca prolongada, considerada uma das maiores registradas nos últimos 30 anos. De outro, episódios de chuvas torrenciais, capazes de acabar com plantações, matar animais e desabrigar moradores. As chuvas que chegaram às regiões afetadas já dão uma sensação de alívio, mas ainda não foram capazes de reverter o quadro de emergência.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a previsão climática para o país para março, abril e maio deste ano indica maior probabilidade de chuva abaixo da faixa normal em parte das regiões Norte e Nordeste do Brasil, incluindo a Bahia.
“Claro que, quando a chuva cai em um primeiro momento, não significa de imediato que é a solução do problema, pois boa parte da vegetação é consumida por lagartas, que acabam, de alguma forma, retardando a recuperação da alimentação animal. Os reservatórios de água não estão suficientemente limpos. Apesar de ficarem cheios, as águas não estão em condições adequadas para o consumo”, diz o superintendente da Sudec.
Em fevereiro deste ano, mais de 5 mil pessoas ficaram desalojadas e seis perderam suas vidas devido aos efeitos dos temporais que atingiram 49 cidades baianas, principalmente na região sudoeste.
Enquanto alguns municípios enfrentavam emergência devido à escassez de chuvas, outros 32 também decretavam a mesma medida administrativa em decorrência dos danos provocados pelo excesso de precipitação.
"É preciso lembrar que essas condições inversas são consequências do El Niño, fenômeno que aquece o Oceano Pacífico e desarranja o clima ao redor do mundo. Em janeiro deste ano, embora parte da Bahia estivesse enfrentando a seca, cidades como Barra e Vitória da Conquista registraram acumulados de chuvas bem acima da média histórica", diz o meteorologista e especialista em Gestão de Recursos Hídricos, Miguel Sá.
Conforme dados do Inmet, em Barra, no Vale do São Francisco, em janeiro, o acumulado de chuvas foi de 390,8 mm, enquanto a média para o mês é de 112,7 mm (+ 246.7%).
Já em Vitória da Conquista, no Sudoeste, o acumulado foi de 397,5 mm. Por lá, a média é de 96,3 mm, o que significa que, naquele mês, choveu 312.7% a mais do que o esperado. Os efeitos chegaram a alguns produtores rurais, mas não foram capazes de impactar o agronegócio no estado, de acordo com o setor.
Manoel Cardoso, produtor de grãos em Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano, afirma que as fortes chuvas que atingiram a região entre dezembro de 2023 e janeiro deste ano, inclusive com episódios de granizo, atrasaram a colheita. No entanto, garante que as precipitações não foram capazes de prejudicá-la.
“Eu e outros produtores tivemos que reduzir os trabalhos nas lavouras devido às chuvas em dezembro do ano passado, mas, anteriormente, já havíamos desacelerado a semeadura pela falta delas”, conta Cardoso.
Humberto Miranda, presidente da Faeb, afirma que, embora as chuvas tenham causado estragos em algumas cidades, seus efeitos não foram capazes de afetar o setor do agronegócio no estado. Os produtores rurais, portanto, estariam aliviados com a chegada delas, mirando em meses produtivos sem interferência drásticos das intempéries..
“As chuvas, até o momento em que estamos falando, digo que 90% delas têm sido benéficas para o setor agropecuário. Estamos saindo de uma seca extrema, onde tivemos, principalmente no segundo semestre do ano passado, temperaturas altíssimas e perdas nas principais culturas”, diz Miranda.
“A chuva chegou no finalzinho do ano [2023] para amenizar os prejuízos. Houve uma ou outra questão pontual, de nível pequeno que não teria relevância do ponto de vista da produção e da produtividade nas principais culturas, por exemplo: tivemos enchentes em Wanderley, no Oeste, que é um município de pecuária que teve pequenos prejuízos, mas nada que pudesse comprometer o setor em todo o estado”, completa.
A falta das precipitações em território baiano começou a tomar conta da maior parte das áreas agroprodutivas em outubro de 2023 e o resultado disso é um prejuízo que já ultrapassa R$ 1 bilhão, segundo estimativa da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb).
Naquele período, 155 cidades tinham mais de 80% de suas áreas afetadas pela seca, conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Nos meses seguintes, os efeitos se espalharam e, em dezembro daquele ano, mais de 70% dos municípios tinham a maioria das suas áreas produtivas sofrendo com a escassez hídrica.
Até a semana passada, 182 cidades baianas, a maioria delas no centro-norte do estado, estavam com decretos de emergência em vigor devido à seca, segundo a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec).
“Esta seca, de fato, foi prolongada em tempo e intensidade; tivemos menos chuvas antes e mais calor, e o retorno das chuvas também demorou. Isso fez com que as reservas de água dos municípios fossem bastante afetadas, prejudicando muito tanto o consumo quanto a produção”, diz Heber Santana, superintendente da Sudec.
As regiões de clima predominantemente semiárido, como o Centro-Norte e o Nordeste baiano, estão entre as mais atingidas. Por lá, pastagens secaram, colheitas minguaram e os bichos morreram à própria sorte. Ainda segundo estimativa da Faeb, cerca de 200 mil animais não resistiram.
Entre as produções que foram impactadas estão a de cebola, tomate, milho e mandioca, além da produção de leite, que caiu mais da metade em todo território baiano. A muda do abacaxi, por exemplo, que antes era vendida por, no máximo, R$ 0,05, neste momento, é comercializada em Itaberaba, maior produtora da fruta no estado, por até R$ 0,30.
De acordo com o engenheiro agrônomo e doutor em Produção Vegetal Edinaldo Sena, as chuvas de verão, que estavam previstas para chegar às regiões de clima semiárido entre outubro e novembro de 2022, só deram sinal em janeiro do ano seguinte.
Com os atrasos, os produtores, sobretudo os menores, que dependem exclusivamente da boa vontade do tempo, perderam ou atrasaram suas colheitas. A situação só não se complicou para aqueles que contam com o sistema de irrigação.
Os criadores de gado começaram a sentir o desespero a partir do segundo semestre de 2023, quando o capim e o estoque da palma forrageira — base alimentar dos rebanhos em regiões de baixos índices pluviométricos — acabaram.
“No geral, os pequenos produtores, principalmente na região semiárida, perderam lavouras do ano passado. As roças foram perdidas, em sua maioria, devido à falta das chuvas. Havia sempre a promessa de que nos próximos 15 dias elas viriam, mas nunca chegavam, até janeiro”, explica Sena.
Antônio Sales, dono de um rebanho de gado e cabras em Ipirá, no Centro-Norte, que decretou situação de emergência devido à seca, viu um garrote e uma novilha sucumbirem no pasto.
A sua produção de leite, vendida de porta em porta, também caiu pela metade. Em condições normais, suas três vacas-leiteiras produziam, por dia, cerca de 70 litros de leite. Agora, não produzem nada além de 30 litros.
“Não tinha estoque suficiente de palma forrageira e no chão já não nascia mais capim. Só não perdi mais animais porque os levei até a propriedade de um irmão onde as condições eram melhores”, contou o agricultor.