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Ficou sem caruru? Saiba o que está por trás da escassez de convites em Salvador

"Nenhum convite pra caruru, foi o motivo do meu colapso", lamentam os órfãos da comida baiana

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 29 de setembro de 2023 às 05:30

Caruru
Caruru Crédito: Marina SIlva/CORREIO

Pode escolher qualquer bairro de Salvador. Se chacoalhar uma árvore, pelo menos dez pessoas caem reclamando que não receberam convite para comer caruru até agora. Brincadeiras à parte, soteropolitanos que cresceram rodeados por uma verdadeira fartura de convites, veem as refeições partilhadas minguarem. Famílias que faziam grandes eventos chamam menos pessoas para dividir a mesa e muita gente tem passado vontade neste setembro.

Pétala Reis, de 22 anos, é uma das órfãs de caruru da capital baiana. Diante da injustiça de não ter sido convidada para sequer um almoço neste mês, recorreu à arma que praticamente todo jovem utiliza diante de uma revolta que dói na alma - e, nesse caso, na barriga: as redes sociais. “Queria um caruru, mas não recebi nenhum convite vey (sic), que ódio”, publicou no X, antigo Twitter. Assim, Pétala se juntou à legião de baianos que imploram para que um parente, amigo ou colega faça o convite para um caruru.

Diante de tantas reclamações, o CORREIO investigou o que está por trás da contenção de convites no mês que celebra os santos católicos Cosme e Damião, e os ibejis, orixás cultuados pelas religiões de matriz africana. Para isso, nada mais certeiro do que buscar quem é especialista no assunto. Elenice Santos é daquelas cozinheiras de mão cheia e vende comida baiana há 15 anos no Nordeste de Amaralina, em Salvador. Ela garante que a falta de convites nem sempre tem a ver com laços sociais e, sim, com o peso no bolso.

“Para vender está sendo tranquilo, mas para comprar os materiais está difícil demais”, conta. O quilo do quiabo, ingrediente indispensável para o caruru, chega a custar R$20 o quilo em setembro. “Do dia 15 para cá não baixou mais o preço, sendo que o valor normal é R$5 e R$6 quando está caro”, explica a dona do restaurante Casa da Nice. A solução encontrada pela cozinheira para não aumentar o preço das quentinhas e ver a clientela sumir, foi reduzir a quantidade de comida.

Entre janeiro e setembro deste ano, o preço do quiabo quase triplicou no estado. O saco de 25 quilos saltou de R$70 para R$200, segundo o Boletim Informativo Diário da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia. A jornalista Silvia Costa, que já ofereceu caruru em setembro para mais de 1 mil pessoas, este ano fez uma festa para 250 convidados. “O quiabo dá na terra e fica um absurdo de caro nesse período. Tivemos que rodar muitos mercados para economizar”, diz.

Ainda na década de 40, o compositor Dorival Caymmi listava os maiores encantos da sua terra querida. E para que jeito melhor de convencer alguém a pisar em solos baianos se não for pela culinária? “Lá tem caruru! Então vá”, ordena a canção “Você Já foi à Bahia?”. Imagine a tristeza de Caymmi, então, ao saber que o mais perto que Pétala Reis chegou de um prato de caruru no dia 27 de setembro foi através das redes sociais.

“Em anos passados, vizinhos e amigos sempre convidaram porque minha família não costuma fazer caruru em setembro. Mas este ano foi diferente”, lamenta. Quando os pratos regados a dendê surgiram no feed e nenhum convite foi feito, começou o sofrimento. “Parece que a tradição está enfraquecendo, pode ser que o aumento do preço dos ingredientes tenha influenciado”, diz.

A advogada Sara Kelmer, de 33 anos, cresceu vendo a casa da avó lotada de crianças que caçavam doces e adultos que iam em busca de comida de dendê. Com o passar dos anos, no entanto, viu a tradição perder força e os convites pararem de chegar. “Lembro que era uma loucura na casa da minha avó, ela e minha mãe distribuem muitos doces e balas. Até faziam ‘galinha gorda’ do primeiro andar”, conta. Sara é voluntária da Organização do Auxílio Fraterno (OAF) e desde 2015 organiza um caruru para cerca de 200 pessoas na instituição.

Até eventos solidários que já foram tradição na capital baiana deixaram de acontecer. É o caso do caruru da Feira de São Miguel, que chegou a receber 400 pessoas no ano passado. Neste ano até vai ter festa, mas o evento será restrito para convidados. Em anos anteriores, o Caruru da Diversidade, promovido por estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), também movimentou a residência universitária do Corredor da Vitória.

Menos convite, no entanto, não significa menos vontade de comer. Quem ficou sem opção de graça, recorre às encomendas de comida baiana. “Moro em um condomínio de três prédios e os moradores reclamaram no grupo que ninguém tinha sido chamado para comer caruru”, conta a chef Fernanda Bittencourt, do Temperos da Chef Nanda. Diante da escassez de convites, os vizinhos estão organizando um evento e cada um deve desembolsar R$35 para Fernanda fazer uma grande refeição.

Além do preço, aumento da população evangélica ajuda a explicar a falta de convites

Quem também ficou só lambendo os beiços até agora foi a bióloga Raquel Moreira, de 35 anos. Desde o ano passado ela não recebe convite para um caruru e não esconde a revolta. “Ano passado paguei para comer em um restaurante. Valeu a pena, mas é meio humilhante não receber convite, parece que tenho os amigos e parentes errados”, reclama. No caso de Raquel, a ausência dos chamados não está ligada ao preço, mas à religião.

Há alguns anos, a bióloga tinha dado como certo pelo menos dois convites em setembro: o de uma tia e outro da mãe de uma amiga. Ambas se converteram e os convites desapareceram como um passe de mágica. “As duas viraram evangélicas e nem tocam no assunto caruru, infelizmente. Que mal pode fazer uma refeição boa e uns docinhos para as crianças?”, questiona. O caruru é tradicionalmente ligado às religiões de matriz africana que celebram, no dia 27, o culto aos ibejis - orixás gêmeos crianças.

A Bahia, assim como o resto do país, assiste o aumento do número de igrejas evangélicas espalhadas pelas cidades. Em dez anos, os baianos que praticam a religião saltaram de 1,462 milhão para 2,440 milhões e já representam mais de 17% da população do estado. Os dados são relativos ao Censo de 2000 e 2010 e são os mais recentes sobre o tema, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A advogada Sara Kelmer, que organiza caruru onde é voluntária, também percebe a tendência. "Vejo a grande adesão da população ao protestantismo e o caruru é reconhecido como uma comida de religiões de matriz africana. Muitos adultos que quando eram crianças saiam com a mochila atrás de doces, hoje não deixam nem os filhos participarem”, diz.

Ficou com vontade? Confira cinco lugares para encomendar comida baiana em Salvador

Casa da Nice
(@casadanice_)
Valor: Entre R$20 e R$22
Onde: Nordeste de Amaralina
Contato: 71 8761-9944

Temperos da Chef Nanda
(@temperosdachefnanda)
Valor: Entre R$29 e R$31
Onde: Acupe de Brotas
Contato: 71 99918-7914

Temperinho Baiano
(@temperinhobaiano)
Valor: Entre R$20 e R$25
Onde: Paripe
Contato: 71 9668-1802

Sabor Caseiro da Chica 
(@saborcaseirodachica)
Valor: Entre R$27 e R$35
Onde: Vila Laura
Contato: 71 9355-2003

Delícias da Gleide
(@deliciasdagleidee)
Valor: Entre R$15 e R$25
Onde: Massaranduba
Contato: 71 8607-1701