Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Carolina Cerqueira
Publicado em 30 de junho de 2025 às 05:00
Os dados mais recentes do Ministério da Saúde mostram que, a cada ano, mais de 300 mil crianças e adolescentes se tornam mães. Dessas, quase 14 mil têm entre 10 e 14 anos. É o que aponta o Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Por mais que os números ainda sejam altos, uma análise dos dados de Salvador e da Bahia apontam uma queda nos casos de gravidez entre 10 e 19 anos. >
A rede municipal de saúde em Salvador atende as meninas e jovens durante a gestação. Segundo o Sistema Vida+ da Secretaria Municipal de Saúde, de 2024 para 2025, considerando os primeiros quatro meses do ano, houve uma queda de 33% no atendimento de meninas grávidas de 10 a 14 anos. Na faixa etária de 15 a 19, a queda foi de 18%. Considerando todas as faixas, a diminuição foi de 522 casos (em 2024) para 422 (em 2025), ou seja, 19%. >
Já a rede estadual na Bahia é responsável pelas maternidades. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, os nascidos vivos de mães residentes na Bahia de 10 a 19 anos caiu 10% de 2023 para 2024, passando de 22.747 para 20.362 casos. Assim como na capital, a queda mais acentuada foi na faixa etária de 10 a 14 anos. As quedas são observadas ao menos desde 2019. Não foram fornecidos dados proporcionais para comparar 2024 com 2025. >
A coordenadora da área de pré-natal (Rede Alyne) em Salvador e médica de família e comunidade Renata Barbosa afirma que a queda não é restrita à capital e nem ao estado, mas é pequena e mais significativa entre as meninas brancas. “A gente tem uma manutenção ou uma queda bem menos significativa entre as meninas pretas ou pardas, que sabemos que representam a maioria da população”, diz a médica. >
“Os casos de gravidez nessa faixa etária de 10 a 14 anos nem deveriam existir. Nenhuma mulher quer engravidar nessa idade e nem deveria engravidar”, acrescenta. No Brasil, grávidas entre 10 e 14 anos têm direito ao aborto legal. Nesta faixa etária, todos os casos são considerados resultantes de uma violência sexual, já que a lei entende que as meninas não têm capacidade de consentir relações sexuais. >
Aborto legal >
A advogada e pesquisadora do Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Gabriela Rondon, destaca que uma das pautas do instituto é a luta pelo direito das crianças de não serem mães, considerando este direito como sob constante ameaça. >
“No ano passado, o Conselho Federal da Medicina tentou instituir uma resolução para criar limite de tempo de gravidez para a realização do aborto legal e isso afetaria especialmente essas meninas. A resolução foi suspensa. Logo depois, o PL 1904 teve o mesmo teor e, devido à comoção pública, não foi para frente”, conta. >
Renata Barbosa explica que, quando a paciente chega à etapa do pré-natal, o responsável pelo atendimento deve buscar compreender o contexto daquela gravidez e, nos casos entre 10 e 14 anos ou que sejam fruto de violência em qualquer idade, é feito um registro no sistema de saúde para quantificação de casos. >
A paciente também precisa ser informada sobre o direito ao aborto legal. Quem deve cumprir esse papel é o profissional de saúde, seja médico ou enfermeiro. “Temos muitos empecilhos nesse processo, como a falta de conhecimento por parte desses profissionais sobre a lei ou questões pessoais, como ligadas à moral e religião”, coloca a coordenadora. >
A ginecologista e obstetra Romina Hamui, coordenadora do Serviço de Direitos Sexuais e Reprodutivos na Maternidade Maria da Conceição de Jesus, em Salvador, aponta que o sistema de saúde falha quando não informa sobre o direito de escolha. Além disso, ela aponta outros obstáculos. >
“Tem um problema social de naturalização de gravidez na adolescência que se repete entre as gerações na mesma família. Também tem uma falha na área de educação ao não ofertar educação sexual nas escolas porque não é algo que deve ser feito só em casa. Casa não é a mesma coisa para todo mundo, casa pode ser um lugar onde a violência sexual acontece”, pontua Romina. >
A coordenadora ainda explica que, em casos de gravidez em meninas muito novas, geralmente o atendimento de pré-natal acontece mais tarde, seja pela demora na descoberta da gravidez ou pela demora em comunicar o caso aos pais e responsáveis. Isso aumenta o risco. >
“Gestações em meninas abaixo de 14 anos trazem mais riscos à saúde física, sem falar da mental, dessas meninas, se compararmos com casos de gravidez depois dos 20 anos”, alerta a advogada e pesquisadora Gabriela Rondon. >
A demora também dificulta o processo de aborto legal. “Pela lei, não tem limite de tempo de gestação para o aborto nesses casos, mas não é qualquer lugar que faz aborto em casos de gravidez avançada. Na Maternidade Maria da Conceição de Jesus, onde trabalho, fazemos até 20 a 22 semanas porque, depois disso, é preciso ter um serviço de medicina fetal, com um profissional especialista nessa área. No Brasil, são raros os lugares com esse serviço”, pondera Romina. >
Serviço >
Romina orienta que, após a descoberta da gravidez, a paciente pode se dirigir diretamente a um centro de referência em aborto legal, como no caso do Serviço de Direitos Sexuais e Reprodutivos na Maternidade Maria da Conceição de Jesus onde ela trabalha. >
“O serviço funciona 24 horas e as pacientes podem chegar pela emergência. Em casos de violência, como qualquer caso de 10 a 14 anos, não é exigido boletim de ocorrência ou autorização judicial. A paciente chega lá, comunica a gravidez e a vontade de realizar o aborto e será acolhida por uma equipe com médica, enfermeira, assistente social e psicóloga, todas mulheres”, compartilha. >
São informadas as opções de manutenção da gravidez, entrega para a adoção após o parto e interrupção. Para a concretização da última opção, será preciso autorização dos pais ou responsáveis em casos de menores de idade. Já para a realização do pré-natal, Renata explica que as pacientes, de qualquer idade, podem se dirigir a qualquer Unidade de Saúde da Família ou Unidade Básica de Saúde do município onde reside sem necessidade de estarem acompanhadas. >
A coordenadora da rede municipal de pré-natal ainda acrescenta que o município oferta métodos contraceptivos de longa duração para adolescentes, sem idade mínima, como DIU (que pode durar até 12 anos) e Implanon (até 3 anos). Além destes, também são ofertadas pílulas, injeções e camisinhas.>
Meninas de 10 a 14 anos >
2023 – 56 atendimentos >
2024 – 75 atendimentos >
2024 (até abril) – 27 atendimentos >
2025 (até abril) – 18 atendimentos >
Adolescentes de 15 a 19 anos >
2023 – 1.639 atendimentos >
2024 – 1.421 atendimentos >
2024 (até abril) - 495 atendimentos >
2025 (até abril) – 404 atendimentos >
Meninas de 10 a 14 anos >
2023 – 1.212 nascimentos >
2024 – 1.022 nascimentos >
Adolescentes de 15 a 19 anos >
2023 – 21.535 nascimentos >
2024 – 19.340 nascimentos >
2025 >
Pardas - 70,5% >
Pretas - 16,3% >
Brancas - 7,6% >
Outros ou não informado – 5,1% >
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no último dia 27 dados sobre maternidade na Bahia e no Brasil. A pesquisa aponta que, na Bahia, a taxa de fecundidade foi de 1,55 filho por mulher, a partir do último censo, em 2022. O número ficou bem abaixo do nível de reposição da população (2,1 filhos por mulher) e representa uma queda em relação a 2010 (1,7 filho por mulher) e 2000 (2,4 filhos por mulher). >
A pesquisa também mostrou que a idade média das gestantes de primeira viagem aumentou na Bahia, ficando em 27,9 anos, contra os 26,6 anos de 2010. Um fator importante para o aumento da idade é o nível de escolaridade. Segundo o IBGE, ter nível superior completo adia a primeira gravidez em até 4 anos, tanto na Bahia como no Brasil todo. >