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Raquel Brito
Maria da Hora conhece a cerâmica desde que se entende por gente. Hoje com 93 anos, a artesã se lembra dos dias em que acompanhava os pais nas olarias para auxiliá-los no trabalho: a mãe, já fraca, não aguentava o peso do trabalho sozinha. Levava os nove filhos, então, para ajudar na produção de louças.
“A gente carregava um balaio, que coloca no forno para embarcar e vender. Era assim. Eu tomei gosto e estou até hoje”, conta. A tradição passa de geração em geração. Se foi com a mãe que Maria aprendeu a gostar do artesanato, hoje suas filhas e netas continuam o costume, com uma loja de cerâmica em Maragogipinho, distrito de Aratuípe, a pouco mais de 70km de Salvador.
A história de Maria da Hora se repete em regiões como Maragogipinho, um dos pólos da cerâmica na Bahia, que conta com cerca de 150 olarias. Atividade tradicional, o artesanato é como uma herança para muitas famílias.
Rosene dos Santos, artesã de 48 anos, também começou cedo o contato com a cerâmica. Filha de artesã, fez suas primeiras figuras de barro aos cinco anos, acompanhando a mãe em seu ofício. Aos oito, já produzia todas as suas obras.
“Para mim é muito prazeroso poder produzir minhas próprias peças e determinar o valor que quero ganhar com a minha produção. Durante toda a minha vida a cerâmica foi prioridade, tudo que eu construí foi do barro”, diz.
Atualmente, ela comercializa suas obras em Maragogipinho, onde faz todas as etapas da produção. Segundo a artesã, a criatividade vem de forma natural, assim que se senta no banco. “Todo o processo é feito por mim mesma. Eu amasso o barro, produzo as peças, preparo, queimo e quando preciso, pinto também”, relata.
Rosalvo Santana, de 59 anos, não foi um dos afortunados pelo legado. Fascinado desde criança pelos formatos das figuras de santos que via em procissões, o artista não conseguia entender como aquelas obras eram feitas por mãos humanas. Para se certificar de que eram, sim, feitas por alguém de carne e osso, foi praticar por conta própria: aos cinco anos de idade, começava a fazer bichos de barro. Muitos leões e cavalinhos depois, encontrou o que realmente o interessava.
“As pessoas notaram que eu tinha facilidade para fazer anatomia e me disseram que eu conseguiria fazer santos se tentasse. Quando me disseram isso, faltavam três meses para a Feira de Caxixis, em Nazaré das Farinhas, e eu fiz a Nossa Senhora da Conceição no estilo barroco. As pessoas ficaram atônitas, porque ninguém fazia santos de cerâmica. Os moradores desciam para ver”, diz o artesão, que, à época, tinha 18 anos.
Esse foi o ponto inicial. Depois disso, levou sua arte para Salvador e muitas outras cidades, recebendo o primeiro prêmio em 1998 por um presépio de cerâmica no seu próprio estilo, que mistura o barroco e o rococó. Hoje, tem o título de mestre, aceita encomendas de todo o Brasil e dá início à tradição na sua família: Rosalvinho, como chama o filho mais velho, de 22 anos, já disse que quer seguir os passos do pai.
“Ele me disse que queria aprender. Eu nunca forcei meus filhos a seguirem esse caminho, eu deixo eles observarem. Eu tenho uma filha que também desenha muito e tem aptidão para modelagem. Eu acredito que também deve ter algo da genética nisso”, conta, aos risos.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.