Moradores da Gamboa denunciam ações policiais durante obras do Morar Melhor

Segundo residentes, trabalhadores do projeto quase foram atingidos por tiros

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  • Wendel de Novais

Publicado em 10 de maio de 2024 às 05:10

Moradores afirmam que policiais atiraram para dentro da comunidade Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

As obras de requalificação do programa Morar Melhor, em uma das residências do bairro da Gamboa, em Salvador, precisaram parar após um tiroteio no fim da manhã de quarta-feira (8). De acordo com moradores, enquanto pedreiros estavam dentro da casa, policiais que estavam posicionados na balaustrada da Avenida Contorno atiraram em direção à comunidade. No local, a reportagem encontrou uma cápsula de bala de Fuzil 5.56 que, segundo a comunidade, seria remanescente de uma das balas disparadas na ocorrência. Não há confirmação oficial.

A Polícia Militar da Bahia (PM-BA) foi procurada pela reportagem para confirmar o caso. Em resposta, a corporação afirmou que, de acordo com informações do Comando de Policiamento Regional da Capital (CPRC) Baía de Todos-os-Santos, não há qualquer registro de ocorrência desta natureza.

Moradores guardaram cápsula de Fuzil 5.56 Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Apesar de não existir nenhum registro oficial, Ana Caminha, líder comunitária da Gamboa, garante que existiu. Além de descrever a ação desta quarta, ela acrescenta que, em menos de 30 dias, houve três registros de abordagens truculentas da polícia nas imediações e, desta vez, trabalhadores correram risco de ser baleados.

"Entre o mês passado e esse mês de agora, a gente já teve três ocorrências de polícia entrando violentamente. Ontem, por volta de umas 11h, os policiais estiveram na Avenida Contorno para fazer manutenção nas câmeras que foram postas aí. Nesse trabalho, eles simplesmente agiram da forma mais truculenta como agem sempre na comunidade: deram três tiros para dentro da Gamboa. Tinha um pessoal do Morar Melhor que estava fazendo serviço e a bala bateu na casa onde estavam trabalhando", denuncia a líder comunitária.

Policiais teriam feito escolta para manutenção em câmeras Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O Morar Melhor é um programa de revitalização de casas em condições precárias. As obras são de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura de Salvador (Seinfra), que conta com empresas terceirizadas para realizá-las. A Seinfra foi procurada para confirmar a ocorrência com os trabalhadores no bairro. No entanto, a pasta não respondeu até o fechamento desta reportagem.

A reportagem foi até o local para ouvir os trabalhadores, que tiveram receio de comentar a situação, mas confirmaram a ocorrência da quarta e as outras duas citadas por Ana. “A gente não quer se prejudicar, mas tem esse problema mesmo. A primeira vez, aconteceu com uns trabalhadores e tinha uma menina, que ficou desesperada. Na outra, eles abordaram uns meninos que estavam trabalhando aqui, já batendo”, fala um operário, sem se identificar.

A reportagem reforçou o pedido de informação para PM por registros de ações nos últimos 30 dias. No entanto, não houve resposta. Um vídeo que a reportagem teve acesso mostra uma trabalhadora assustada sentada em uma das residências da comunidade. De acordo com quem mora no bairro, o registro foi feito após ela se apavorar em uma ação de policiais que teriam entrado no local disparando. “Ele ia bater na gente”, diz a jovem aos prantos enquanto é consolada.

Moradora da Gamboa, Mônica Barreto, 40 anos, dá mais detalhes do caso. "Na vez dessa menina, eu que dei abrigo a ela. Estava chorando e gritando por conta de uma ação deles, que chegam sempre dessa forma, sem respeitar quem mora e até quem está trabalhando. Isso é repetitivo aqui na Gamboa. Antes dela, teve uma situação com um menino que teve que gritar que era trabalhador porque eles descem com tudo. Nós não somos contra a entrada da polícia, eles têm que fazer o trabalho deles, mas precisam saber descer onde mora muita gente de bem, tem mãe de família e criança", relata.

Ainda de acordo com Mônica, a trabalhadora segue na Gamboa, mas na época precisou se afastar por 10 dias por estar abalada com a situação. “Ela pegou a licença, mas voltou. Outros funcionários não fizeram a mesma coisa, porque não querem correr o risco de morrer a qualquer hora dessas. Então, prejudica a gente com risco de morrer e interrompendo obras que são boas para a comunidade”, diz.

Em 2023, o Instituto Fogo Cruzado contabilizou dois tiroteios e dois mortos. Neste ano, até a quarta-feira, foram registrados um tiroteio e uma morte pelo instituto. O deste ano, aconteceu em 3 de abril e não ocorreu em ação policial.