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Millena Marques
Publicado em 25 de agosto de 2023 às 05:10
Em meio a ocorrências constantes de roubo, furto e invasão a domicílio no Canela, em Salvador, a associação de moradores decidiu implantar um programa de segurança particular, batizado de Bairro Seguro, composto por 26 câmeras de segurança. O objetivo era um só: conter o avanço da criminalidade no bairro, que registrava, diariamente, diversos tipos de crimes. De acordo com o presidente da Associação de Moradores do Canela (AMOCANELA), o advogado Pedro Araújo, os casos ainda existem, no entanto, em um intervalo maior após a criação do projeto, em 2021. >
Se antes as queixas no grupo de moradores associados eram publicadas diariamente, hoje o intervalo ultrapassa uma semana. O último roubo de fiação, por exemplo, foi registrado no sábado (19), na Rua Dr. Augusto Viana, 11 dias depois de um morador notificar uma atividade suspeita no bairro. “Chegava notificação [no grupo] o tempo todo. Era assustador. Hoje as notificações chegam muito mais espaçadas. Temos pouquíssimos relatos”, disse Araújo. >
A professora aposentada Altair Jones, 84 anos, mora com o esposo, Everaldo Jones, 88, no edifício Desembargador Pedro Ribeiro, associado à AMOCANELA, e afirmou que o número de ocorrências diminuiu após a implementação do programa. "Melhorou um pouco. É um bairro de grande risco, considerando os assaltos que já aconteceram. Ainda temos essa insegurança", explicou Altair. Há cinco anos, o casal foi assaltado duas vezes, em um intervalo de dois meses. Na primeira situação, o suspeito levou um livro da aposentada, acreditando que era um tablet.>
Apesar dos moradores criarem um mecanismo próprio para fortalecer a segurança do local, algumas situações ainda deixam a população preocupada. Uma moradora, que não quis se identificar, lembra que os estudantes que transitam pela região à noite estão vulneráveis. "Nada mudou. A criminalidade permanece a mesma. Aconteceu um assalto aqui esses dias", disse ela, sem detalhar mais informações sobre o crime. Outro morador, que também não se identificou, disse que as ocorrências aconteciam por causa da expansão do tráfico de drogas na região. >
O programa particular conta com 26 câmeras, espalhadas por 11 ruas do bairro: Padre Feijó, Cônego José de Loreto, Marechal Floriano, Clemente Ferreira, Doutor Augusto Viana, João das Botas, Moreira de Pinho, Basílio da Gama, Pedro Lessa, Araújo Pinho e Cláudio Manoel da Costa.>
Os equipamentos estão instalados em 13 imóveis, entre edifícios e estabelecimentos. A adesão ao programa é feita de forma simples: basta o edifício associado solicitar o serviço à AMOCANELA e aceitar os termos de contribuição, como disponibilização de rede wi-fi e de um ponto de energia para o funcionamento das câmeras. Para se associar, cada prédio paga R$ 2 mensais por unidade imobiliária. A associação já gastou, aproximadamente, R$ 20 mil com o programa. >
As imagens não são monitoradas por 24h. No entanto, caso ocorra algum crime, os moradores podem solicitar os registros à comissão de segurança da associação, que é composta por oito moradores. "A ideia é que as câmeras sejam utilizadas para identificar algum infrator ou alguma situação irregular. Buscamos as imagens quando há necessidade de visualizar alguma ocorrência", explicou Araújo. As imagens cedidas aos moradores são apresentadas à polícia. Diariamente, a assistente da AMOCANELA averigua o estado das câmeras, para que as manutenções devidas sejam realizadas.>
Ainda conforme o presidente da associação, o sistema do bairro não é interligado ao da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Além disso, a rua Basílio da Gama conta com um serviço de segurança particular de 18h às 6h, prestado por uma empresa privada que não foi especificada pelo presidente e que faz a segurança de quatro edifícios e uma casa. Os custos com ela também não foram detalhados. >
Conhecido por ser um bairro com muitos moradores idosos, o Canela possui largas ruas, enormes árvores e muitos edifícios residenciais – quase não se vê prédios comerciais. Everaldo Jones contou que sempre pede aos responsáveis pela manutenção das árvores um corte específico dos galhos, para que os criminosos não se escondam por ali. "Eu sempre peço: 'corta bastante, viu', que é para não dar chances de uma eventual situação criminosa", disse.>
Moradora do edifício Chenaud há oito anos, Inês Fernandes, 69, disse que costumava ouvir relatos de crimes no Canela logo quando chegou ao bairro. "A violência está em todo o lugar. Por enquanto, acho que o bairro ainda não está violento, mas devemos ter uma atenção maior para a segurança, que é muito importante para mim", disse. Ainda conforme a moradora, os registros foram diminuindo, o que apontou como um reflexo do programa particular. >
O CORREIO solicitou os números de roubos, furtos e invasões registrados no bairro à Polícia Civil e à SSP-BA, mas não havia respostas até o fechamento desta matéria.>
É dever de uma associação garantir segurança de bairro?>
Doutorando em Urbanismo e Segurança Pública, o arquiteto Thiago Costa afirmou que a iniciativa dos moradores é de boa intenção, no entanto, não resolve os problemas de criminalidade do bairro. "Programas de segurança, ainda mais em bairros de alta renda como o Canela, costumam ser artificiais. Há um investimento em segurança privada e câmeras, mas só", pontuou. >
De acordo com o especialista, é mais fácil construir uma rede de segurança em comunidades mais populares, onde a interação entre pessoas é mais associativa, ou seja, os vizinhos se conhecem e mantêm uma certa interação. No entanto, a segurança é direito de todos os cidadãos, como prevê a Constituição. "Quem é responsável por zelar pela segurança é quem está permitindo o cenário de insegurança, fortalecendo organizações criminosas e o sistema penitenciário".>
Luiz Lourenço, sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (LASSOS), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), afirmou que a questão é ambígua, salientando que a responsabilidade da segurança pública é do Estado. "A colaboração entre moradores e poder público pode ser interessante. Contudo, também pode movimentar todo um mercado que vende e lucra com a venda de dispositivos de segurança privada", disse.>
A SSP também foi questionada sobre o emprego de segurança privada em bairros de Salvador. Até a publicação desta matéria, não havia respostas.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>