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Bruno Wendel
Publicado em 5 de maio de 2025 às 05:00
O Rio Vermelho é de sangue. Isso porque, em menos de um mês, episódios de extrema violência ameaçam a magia de um dos bairros mais famosos de Salvador. No dia 04 de abril, um jovem sofreu mais de 50 tiros na cabeça de criminosos que usavam armas longas, na Rua Rodrigo Argolo, a poucos metros da residência de uma deputada estadual. Apavorados, moradores colocaram seus apartamentos à venda. No dia 29, o Largo de Santana, um dos centros da boemia da capital baiana, amanheceu com a inscrição “CV”, indicativo de que o Comando Vermelho tenta se firmar no local. Na madrugada, um jovem foi assassinado no ponto turístico. >
Trata-se de Fabrício Silva Cruz, de 23 anos. Ele foi morto a golpes de garrafa, durante uma briga. O Largo de Santana, popularmente conhecido como Largo da Dinha, é bastante movimentado noite adentro. De acordo com a polícia, Fabrício foi vítima de comparsas que praticavam furtos no local. Ele teria se desentendido com ao menos dois homens. “A Polícia já tem indicativo de autoria. O caso é apurado pelo Departamento de Homicídios, mas, no momento, não é possível dar mais detalhes para não comprometer a investigação”, declara o delegado Nilton Borba, titular da 7ª Delegacia, unidade que também atende as ocorrências do Rio Vermelho. >
Inicialmente, Fabrício sofreu o primeiro golpe perto de um banco no largo. Após o início das agressões, ele tentou fugir, mas foi perseguido e atacado com uma garrafa de cerveja. Os golpes dados nele foram desferidos na região da cabeça e do pescoço. As marcas de sangue que ficaram no largo acompanham a trajetória feita pela vítima, que foi encontrada do lado de quiosque no local.>
Perto da cena do crime, as inscrições “CV” foram deixadas em poste de iluminação pública. A sigla, no entanto, não representa a presença robusta do Comando Vermelho, mas um ato isolado de algum integrante do grupo criminoso. Alguns comerciantes e moradores acreditam que o ato foi de algum traficante para intimidar outros vendedores de drogas. >
À venda>
O Rio Vermelho faz divisa com o Complexo do Nordeste de Amaralina, através da Chapada do Rio Vermelho, bairro que, junto com o Vale das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina e Santa Cruz, formam o conglomerado, que por sua vez, é reduto do Comando Vermelho. A organização criminosa carioca se estabeleceu na Bahia em 2020, após incorporar o extinto Comando da Paz (CP), facção que atuava no complexo. >
Requalificada em outubro do ano passado, a Praça Professora Expedita Teixeira, na Rua Rodrigo Argolo, foi palco de uma cena de terror. Pouco depois das 23h do dia 04, um “bonde”, formado por pelo menos 10 homens em motos, descarregou suas armas em Danielson de Jesus Santos, de 39 anos, que teve o rosto desfigurado. A vítima era parente de um homem que faz “bico” lavando carros na região. A execução foi filmada e compartilhada nas redes sociais pelos matadores. “Algo que a gente nunca viu aqui. Foi assustador. Foram mais de 50 tiros”, conta um morador. “Foi perto do meu prédio. Minha companheira acordou assustada. Antes do entardecer, meus filhos não ficam mais na praça. Hoje, quando chego do trabalho, fico muito apreensivo”, diz ele. >
Do lado oposto à cena do crime, está a Rua Francisco Rosa – o fundo dá para o Vale das Pedrinhas. É no final dela, que é possível ver materializado o desejo de alguns moradores: de ir embora. Não é difícil de encontrar placas de “vendo imóvel” ou "vendo apartamento". Embora boa parte dessas pessoas negue, alegando que as unidades já estavam à venda antes do crime, só em um dos edifícios, há três anúncios em andares distintos. Entre as duas vias, a reportagem encontrou pelo 10 imóveis sendo vendidos ou em já em fase final de negociação. “Fiquei aterrorizada. Foram 50 tiros numa pessoa. Até agora, é a única coisa que vem à minha cabeça é sair daqui. Não fui embora ainda porque não é fácil vender assim”, diz uma moradora. >
Para ela, a violência armada deixou de ser um fenômeno restrito às comunidades conflagradas. “Pela forma como se deu, deve ter alguma coisa relacionada com o tráfico. Essa barbárie está ultrapassando as comunidades e chegando aos espaços públicos”, diz ela, sugerindo que os envolvidos no crime seriam do Complexo do Nordeste. >
Silêncio>
Segundo moradores, a execução aconteceu a cerca de 30 metros do edifício onde mora a deputada estadual Olívia Santana (PC do B). “O que a gente fica perplexo é que ela é uma pessoa muito atuante aqui e em outros lugares, mas sobre este assunto, a deputada não disse nada”, diz um senhor. “Sequer divulgou uma nota. Ela é uma autoridade eleita pelo povo e ignorou”, pontua uma senhora. >
A reportagem procurou Olívia Santana na quarta, 30/04, e quinta, 01/05. A assessoria ficou de enviar a resposta, mas até o momento, nada. O espaço segue aberto. Já o delegado Nilton Borba disse que “está ligado à briga entre facções e o DHPP (Departamento de Homicídios) já está com a apuração bem adiantada e logo teremos resultado”.>
Outro problema relacionado à insegurança são os assaltos, principalmente ao público LGBTQIAPN+. Isso porque o público vem sendo alvo de assaltos após solicitar o serviço de transporte por aplicativo via moto no Rio Vermelho, que é bastante frequentado por LGBTs. As vítimas são seguidas e abordadas ainda durante o trânsito por motoqueiros armados, que forçam a parada, espancam e roubam os celulares e cartões. Em 23 dias do mês de janeiro, o CORREIO apurou cinco casos. >
“Intensificamos as nossas ações no bairro, mas nós temos várias situações em que o preso era um reincidente. E o pior: há casos de suspeitos que já foram presos mais de 10 vezes! A gente pega o cara, mas no outro dia é solto em audiências de custódia”, pontua o delegado. >