Moradores ficam mais de 30 horas sem água após apagão

"Só Deus sabe quando vai voltar". Até água da chuva virou opção e a previsão de retorno é só na tarde dessa quinta (17)

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  • Maysa Polcri

Publicado em 17 de agosto de 2023 às 05:00

A louça se acumula na casa de Jucélia, onde vivem quatro pessoas
A louça se acumula na casa de Jucélia, onde vivem quatro pessoas Crédito: Paula Fróes

“A luz chegou e a água foi embora. Agora só Deus sabe quando vai voltar”, resume Denise Normandia, 62, que mora em Itapuã. O bairro é uma das 20 localidades em que o abastecimento de água foi interrompido por consequência do apagão, na manhã de terça-feira (15). Nenhuma gota pingava da torneira 32 horas após o restabelecimento da energia elétrica, o que gerou prejuízo para comerciantes e muita dor de cabeça. Dentro de casa, louças sujas se amontoam na pia e moradores se viram como podem para tomar banho. Até a água da chuva virou opção na escassez.

Quem procurou a quiabada ou o peixe frito, servidos no Boteco do Gil, no almoço de quarta-feira (16), não encontrou as principais receitas servidas no restaurante, localizado em Mussurunga I. Gileno de Sena, 57, dono do estabelecimento, estava no local durante a tarde, mas a comida estava em falta. “Não tem como abrir a casa sem água. Eu vim ajeitar umas coisas, mas o restaurante não funcionou”, lamenta. As portas fechadas geraram um prejuízo de R$500 para Gil, que deu folga para a única funcionária do estabelecimento.

O prejuízo de Gil pode checar a R$1 mil se o restaurante não abrir mais um dia
O prejuízo de Gil pode checar a R$1 mil se o restaurante não abrir mais um dia Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Em frente ao restaurante, na Rua Desembargador Wilde Lima, Gleidson Góes, 36, carregava um galão de 20 litros nas costas. Era o terceiro que comprava, desde que o fornecimento de água foi interrompido, às 10 horas da manhã de terça-feira (15). O cozinheiro conta que percebeu, durante a madrugada, que o reservatório da casa voltou a encher, mas a alegria durou pouco. “Por volta da uma hora da manhã, estava saindo um pouco de água da torneira, aí nem me preocupei em encher os baldes porque achei que tinha voltado ao normal”, diz. De manhã veio a surpresa: sem água nas torneiras de novo.

A alternativa foi recorrer aos galões, comprados no mercado perto de casa. Cenas como essas se repetiram durante toda a quarta-feira (16), em diversos pontos da cidade. A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) retomou a operação de 90% dos sistemas de abastecimento de água ainda na noite de terça-feira (15), mas a previsão é de o fornecimento só volte ao normal na tarde de quinta-feira (17), mais de 48 horas depois do apagão. Além da capital, todos os outros 366 municípios onde a empresa atua foram afetados.

Em menos de 48 horas, Gleidson já tinha comprado três galões de água
Em menos de 48 horas, Gleidson já tinha comprado três galões de água Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Itapuã, Jaguaribe, Nova Brasília, Patamares, Piatã e Stella Maris são alguns dos bairros em que os moradores sofrem com a escassez de água. Mesmo quem tem reservatório em casa não escapou do desabastecimento, uma vez que o serviço foi interrompido por muitas horas. Caso de Jucélia dos Santos, de 44 anos, que não vê a hora da torneira voltar a jorrar água para lavar a louça que se acumula na cozinha e na área de serviço da casa, no Bairro da Paz. Ela até conseguiu reservar água e encheu dois baldes, mas, com quatro pessoas dentro de casa, a quantidade não foi suficiente.

Com o fim do volume que utilizava para dar descarga no banheiro, a solução foi comprar um galão de 20 litros, que custou R$ 48. “A gente se sente humilhado porque a conta vem para pagar todo mês. É um descaso ter que passar por isso”, reclama a dona de casa. Pior para quem tem criança em casa, como Sinara Macêdo, de 29 anos.

Os dois filhos de 4 e 2 anos brincavam em uma praça, em Mussurunga, durante a tarde. Mas, quando entrassem em casa, não teriam como tomar banho no chuveiro. “A última vez que dei banho neles foi com a ducha higiênica porque ainda tinha água, agora nem isso. O mais novo ainda usa fralda, então é um transtorno”, diz. Sinara conta que vizinhos estão reservando água da chuva para usar em casa enquanto o fornecimento não é retomado.

Solidariedade

Ana Rita Normandia, de 80 anos, só não precisou comprar água porque contou com a ajuda de uma vizinha, que dividiu o pouco que tinha no reservatório de casa, em Itapuã. Mesmo assim, a idosa precisou tomar banho com o auxílio de uma caneca, enquanto o chuveiro não funciona. “Aqui na minha rua [R. Fernando Tôrres] não tem água desde as 9 horas da manhã de ontem. Está um terror, se demorar muito para voltar não sei o que vai ser de nós”, falou.

Na casa da sobrinha Denise, as sete pessoas que vivem na residência faziam de tudo para economizar o que restou no reservatório. “A gente não está lavando roupa e nem louça. Imagina ficar sem água com esse tanto de pessoas”, disse preocupada. Diante da escassez, vizinhos bateram na porta da casa de Izaltino Conceição, de 75 anos. O senhor está acostumado porque, toda vez que falta água no bairro, recebe moradores.

Não é por acaso. Os muros da casa do idoso escondem um verdadeiro tesouro nos momentos de desabastecimento: um poço artesiano de dois metros de profundidade. Em dias normais, a água que brota da terra é utilizada para regar as plantas e fazer faxina, mas, quando falta no bairro, Izaltino distribui para a vizinhança. “Quando falta água, o pessoal vem buscar aqui. Esse poço está aqui desde que me mudei, já tem mais de 60 anos”, conta.

O senhor doa a água retirada no poço artesiano em casa
Izaltino doa a água retirada no poço artesiano em casa Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Especialista explica a demora para o retorno do abastecimento

O desabastecimento de água em toda a Bahia é consequência direta da ocorrência na rede de operação do Sistema Interligado Nacional (SNI), que causou apagão em todas as regiões do país, por volta das 8h30, de terça-feira (15). A queda de energia interrompeu a produção de água nas hidrelétricas, o que deixou as residências com o fornecimento interrompido.

“Com essa falta de energia, toda a cadeia de produção de água foi afetada. A malha de abastecimento de água é dividida em núcleos e, por isso, é preciso de um prazo de segurança para poder voltar a produzir água e garantir o acesso ”, explica o engenheiro sanitarista Jonatas Sodré. Enquanto o fornecimento não é completamente restabelecido, a Embasa está em uma “zona de transição”. “A empresa de saneamento precisa produzir água ao mesmo tempo em que a população está consumindo”, diz.

De acordo com a Embasa, a religação dos sistemas obedece às instruções do Operador Nacional do Sistema (ONS) e recomenda que as pessoas utilizem o recurso de forma “mais econômica possível”. A empresa foi questionada sobre quais municípios da Bahia continuavam sem água na quarta-feira (16), mas não respondeu.

Localidades que continuavam sem água mais de 30 horas após o apagão

Aeroporto, Alphavile I, Alto do coqueirinho, Bairro da paz, Costa Verde, Itapuã, Jaguaribe, Mussurunga, Nova Brasília de Itapuã, Av. Orlando Gomes, Av. Paralela, Parque São Cristóvão, Patamares, Piatã, Placaford, Praia do Flamengo, São Cristóvão, Stella Maris, Trobogy (parte) e Vale dos Lagos (parte)