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Larissa Almeida
Publicado em 25 de julho de 2024 às 20:54
Na história oficial do Brasil, raras são as menções às mulheres negras que protagonizaram a luta contra a colonização e a escravidão no país. Em um movimento contrário, mais de 125 anos depois da abolição da escravidão, ocorrida em 1888, centenas de mulheres negras se reuniram na tarde desta quinta-feira (25) para um ato de reafirmação de suas existências e em prol da reescrita da história – através do resgate das lutas do passado e da promoção do bem viver no presente e futuro – pautas trazidas à tona durante a 12ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, em Salvador. >
Em plena celebração pelo Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, mulheres negras baianas se concentraram na Praça da Piedade por volta das 14h e, aproximadamente às 15h50, deram início à caminhada que teve como destino o Terreiro de Jesus, no Centro Histórico da cidade. >
Durante o trajeto, que ocorreu sob fortes chuvas, foi ressaltada a importância de Tereza de Benguela, líder negra que comandou o Quilombo do Quariterê, no século XVIII e conseguiu mantê-lo como refúgio de outros negros escravizados por duas décadas. Também foi destacada a relevância de um dia para celebrar as mulheres negras afro-latinas, afro-americanas e caribenhas. >
“A data 25 de julho surgiu, justamente, a partir do encontro das mulheres negras em 1992, que depois foi reconhecida pelas Nações Unidas. Então, a partir daquele momento, surgiu a rede de mulheres afro-latino-americanas e caribenhas, que tem articulado toda a América Latina para pensar em agendas específicas para enfrentar as violências do racismo patriarcal, para pensar em como as mulheres negras podem deixar de ocupar a base da pirâmide, ou melhor, como a gente pode desorganizar a pirâmide. Talvez, inclusive, excluindo-a", aponta Gabriela Ramos, ativista da Odara – Instituto da Mulher Negra, entidade que criou a Marcha em 2013. >
Entre as principais reinvindicações dos movimentos de mulheres negras presentes no ato, estava a luta pelo bem viver, definido por Gabriela Ramos como a grande utopia dessas mulheres. “A ideia de bem viver surge dos povos indígenas e é sequestrada pela branquitude, mas é um projeto que consiste na vida em simbiose com a natureza, na recuperação dos conhecimentos dos povos tradicionais e na extinção da fome”, esclarece. >
Ainda, houve foco na mobilização pela 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, evento que acontecerá em novembro de 2025 e tem expectativa de reunir 1 milhão de mulheres negras, em Brasília. “A pauta de hoje é objeto da marcha do ano que vem, que é voltada à reparação pelo bem-viver. O movimento de mulheres negras faz esse resgate porque a luta pela reparação vai além da igualdade e ações afirmativas. Toda a comunidade negra, todo o povo negro, no Brasil e na diáspora, está retomando essa luta agora”, declarou Suely Santos, integrante da Rede de Mulheres Negras do Nordeste. >
O Movimento Negro Unificado (MNU Bahia) marcou presença no ato e levou uma campanha que tem como objetivo estimular a participação das mulheres negras na política, além d e garantir a segurança daquelas que venham tentar ser candidatas. “A campanha ‘Reaja à Violência Racial e de Gênero: Mulheres Negras Contra a Violência Política’ foi criada pensando no fortalecimento, em potencializar candidaturas negras nas esferas políticas, nas eleições municipais, e a participação ativa dessas mulheres não só enquanto candidatas, mas também na construção dos projetos políticos, para que a gente não seja só mais uma cota”, pontuou Catarina Maia, coordenadora estadual de Mulheres no MNU Bahia. >
Lindinalva Cruz, trancista e autônoma de 41 anos, acompanhou toda a caminhada ao lado da filha Laisa, de oito anos, pelo segundo ano consecutivo. Segundo ela, a presença ali se devia à necessidade de mostrar para a pupila a força da união das mulheres. “É uma luta não só minha, mas de todas as mulheres brasileiras, principalmente as negras. Viemos para lutar e reivindicar nosso direito como mulher, buscar a liberdade, o direito de ir e vir, e dizer que podemos sim estar em qualquer lugar que queiramos”, finalizou.>
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo>