Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Número de famílias em situação de rua mais que triplicou em cinco anos na Bahia

Estado registrou mais de 14 mil núcleos familiares em situação de extrema vulnerabilidade

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 25 de abril de 2025 às 05:00

Homens negros são maior parte da população de rua Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Pelo menos 14.705 famílias em situação de rua vivem nas praças, debaixo dos viadutos e nas esquinas esquecidas das grandes e pequenas cidades da Bahia. Esse número, que já é alarmante por si só, mais do que triplicou em relação ao ano de 2020, quando o estado registrou 4.289 famílias vivendo nessas condições. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), que compila o número de pessoas em situação de rua incluídas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

É mais do que provável que a quantidade total de pessoas nesse estado de vulnerabilidade ainda seja subnotificada. De acordo com MDS, os números mais baixos registrados em anos anteriores podem não refletir com precisão a realidade da população atendida. Isso porque, de acordo com a pasta federal, houve um desmonte nos processos de atualização e manutenção da base de dados durante a gestão passada.

“Desde o início de 2023, o Cadastro Único passa por um amplo processo de correção e qualificação dos registros das famílias inscritas. Estima-se que, em dezembro de 2022, menos de 60% da base de dados estivesse tratada. Atualmente, esse índice já se aproxima de 90%”, informou o MDS.

Mesmo com as subnotificações, o crescimento expressivo de pessoas nas ruas nos últimos cinco anos encontrou outros fatores para além da pouca efetividade no processamento de dados pelo Estado, conforme aponta advogada, pesquisadora e escritora Eugênia Fernandes Bengard, autora do livro ‘Quem Tem Casa é Caracol: População em Situação de Rua em Salvador e o Conceito Jurídico de Moradia’.

“A pandemia de covid 19 provocou um agravamento da vulnerabilidade e, inclusive, alterou o perfil das pessoas em situação de rua. Na época mais crítica da pandemia, podíamos observar famílias inteiras nas ruas, juntas, pois não conseguiam continuar pagando os seus aluguéis. Até o final de 2022, foi possível observar também um desmonte das políticas públicas, o que também explica esse aumento”, afirma Eugênia.

O CORREIO pediu informações sobre o perfil das famílias em situação de rua e a renda média que elas obtêm para sobreviver mensalmente, mas não obteve resposta do MDS. Para a pesquisadora, a carência de informações e de pesquisas a respeito da vivência dessas pessoas, a nível estadual e federal, já reflete o descaso ao qual elas são submetidas diariamente.

Eugênia Fernandes Bengard destaca que, há anos, existe uma luta nos movimentos socais para a inclusão da Pop Rua, que ainda não foi atendida. Ela pondera, no entanto, que uma iniciativa nascida em Salvador, em parceria com a Prefeitura, ajudou a lançar luz sobre o perfil da população vulnerável da cidade.

“No âmbito da capital da Bahia, recentemente tivemos a pesquisa do Projeto Axé, que demonstra que a população em situação de rua tem um perfil de pessoas negras, entre os 25 e 35 anos, que é majoritariamente masculino. No entanto, o número de mulheres em situação de rua também vem aumentando pós pandemia de covid-19", aponta.

Desafios

Entre os desafios que essas pessoas enfrentam ao viver nas ruas, a cientista social Maria de Fátima Cardoso, professora da Unijorge e pesquisadora colaboradora do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Lassos/Ufba), ressalta a exposição a todo tipo de situação. “Certamente os riscos às mais diversas formas de violência e à saúde se ampliam ao serem submetidos a essa cruel condição de sobrevivência”, pontua.

No caso de Carlos Augusto Nascimento Santos, 37 anos, que vive nas ruas há quase 15 anos, a diabetes – doença crônica controlada pela maioria da população que a tem – quase lhe levou à morte por falta de recursos para tratá-la. Ele, que vive nas imediações da Praça da Mãozinha, no Comércio, ganha aproximadamente R$ 20 por dia e não tem acesso à remédios ou à alimentação adequada para conviver bem com a enfermidade.

“O dinheiro dá para pagar o café dos meninos [filhos de 8 e 10 anos], dá para fazer o almoço, que eu cozinho na lenha. Faço meu fogão de lenha. Os irmãos [outras pessoas em situação de rua] chegam, colaboram, eu vou na feira e peço ajuda às pessoas. O dinheiro que dá para comprar, eu compro. O que não dá, eu peço. Às vezes, também pego quentinha de R$ 1 no Restaurante Popular”, conta.

O risco enfrentado por Thiago Lima Reis, 42 anos, que está vivendo em situação de rua há aproximadamente dez anos, é potencializado pela dependência química. “Eu luto, luto, luto, mas depois volto para o crack. Eu caio. Já fui para centro de reabilitação, mas não tenho força”, desabafa.

Atualmente, ele vive exposto nas ruas, sem apoio para lidar com o vício, vivendo do que encontra no lixo e da caridade de um senhor que possui um estabelecimento ao lado da Rua da Fonte do Gravatá, em Nazaré, e todos os dias fornece almoço para outras pessoas na mesma condição de Thiago.

Para a cientista social Maria de Fátima Cardoso, a resolução para o quadro de desamparo que afeta as pessoas em situação de rua na Bahia precisa ocorrer em diversas frentes. “Uma delas passa pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil que atuam diretamente com as pessoas em situação de rua. Elas estão sistematicamente buscando socorrer essas pessoas, fortalecer as instituições de justiça para que possa ser garantido o acesso à justiça em maiores proporções e implantar programas intersetoriais de acolhimento das famílias”, diz.

Iniciativas governamentais

No contexto das políticas voltadas à população em situação de rua, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Bahia (Seades), ligada ao governo do estado, disse, em resposta ao CORREIO, que o estado conta com os Centros POP (Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua), que são espaços públicos voltados ao atendimento especializado às pessoas em situação de rua, incluindo jovens, adultos, idosos e famílias.

“Essas unidades socioassistenciais têm como objetivo promover o convívio social, o fortalecimento de vínculos, o desenvolvimento de autonomia e a construção do processo de saída da situação de rua, além de garantir o acesso a serviços essenciais como, banho, lavar e secar roupas, acesso à documentação civil, alimentação, higiene e encaminhamento para outras políticas públicas”, detalha.

A Seades afirma que, mensalmente, repassa cerca de R$ 500 mil aos municípios baianos para a execução de serviços destinados a essa população (cofinanciamento). Em março deste ano, o Governo do Estado entregou veículos a 11 municípios, com o objetivo de fortalecer e qualificar os atendimentos realizados nos Centros POP.

Ainda, ressalta que, através do Programa Corra pro Abraço, atua nos municípios de Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista, auxiliando pessoas em situação de rua e jovens que vivem ou circulam em territórios marcados por altos índices de violência e vulnerabilidade social. Em breve, por meio de parceria entre o Governo do Estado e o Ministério da Justiça, está prevista a ampliação do programa para os municípios de Lauro de Freitas, Juazeiro, Porto Seguro, Barreiras, Jequié e Camaçari.

Já o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, enfatiza que tem investido de forma contínua no fortalecimento do acolhimento e da proteção de adultos e famílias em situação de vulnerabilidade, contribuindo para a promoção da inclusão social e o enfrentamento das desigualdades.

“Os recursos são utilizados para fortalecer os Centros POP, que oferecem uma série de serviços à população em situação de rua, como refeições, espaços para higiene pessoal, apoio na emissão de documentos e outras atividades essenciais. Além disso, parte do montante é direcionada ao funcionamento do Serviço de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI)”, escreve em nota.

A pasta federal explica que o PAEFI é voltado para apoiar famílias e pessoas em situação de risco social ou que tiveram direitos violados. “Ele oferece orientação, acompanhamento e suporte para superar essas situações, promovendo direitos e fortalecendo os vínculos familiares e sociais”, completa.