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Larissa Almeida
Publicado em 9 de agosto de 2023 às 05:00
A primeira vista, o termo ozonioterapia pode causar estranhamento quando atrelado à área da saúde. Afinal de contas, muitas pessoas acreditam que o ozônio (O3) tem apenas a função de filtrar os raios ultravioletas nocivos aos seres vivos. Contudo, o tratamento com o gás já é utilizado por profissionais da área de saúde para fins estéticos e cuidados odontológicos. E, desde segunda-feira (7), a terapia com ozônio passou a ser permitida por lei para tratamento complementar. A decisão, sancionada pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, contrariou entidades e representantes da medicina, assim como aguçou a curiosidade acerca do tratamento, suscitando as seguintes dúvidas: para que serve a ozonioterapia e por que ela é questionada? >
Quem responde a primeira pergunta é a nutricionista e fisioterapeuta dermatofuncional Carolina Dias, que aplica tratamentos com ozônio em sua clínica estética. Ela elenca uma série de quadros clínicos em que a terapia com o gás é utilizada. “Podemos trabalhar essa terapia em feridas, infecções fúngicas, bacterianas e virais, lesões isquêmicas e várias outras afecções, inclusive no lado estético. Eu utilizo muito na clínica como um auxílio no processo de emagrecimento, uma vez que já é colocado em estudos que a ozonioterapia pode aumentar o número de mitocôndrias celulares, o que facilitaria a oxidação da gordura”, afirma. >
A especialista ainda acrescenta que o gás pode melhorar a oxigenação dos tecidos e, consequentemente, o metabolismo corporal. Ele é aplicado através de uma sonda ou injeção, que pode ser inserida por via subcutânea (tecido abaixo da pele e acima do músculo), intra-articular (articulação), intramuscular (músculo), intravaginal (vagina), intra-retal (retal) e auricular (ouvido). O procedimento costuma durar de 20 a 30 minutos, podendo, a depender do caso, ser feito por até quatro vezes na semana. >
No caso da advogada Maria Antônia Amorim, 65, moradora do município de Porto Seguro, a ozonioterapia é feita por via intra-articular para ajudar no tratamento da artrose e artrite nas articulações do joelho desde março deste ano. Inicialmente, ela buscou o tratamento para emagrecer, mas viu resultados também no alívio das dores com a melhora da oxigenação no local. >
“Sentindo uma boa evolução, principalmente por já ter conseguido eliminar 11 quilos, resolvi também fazer um tratamento com aplicações para o joelho, pois tinha uma viagem para os Lençóis Maranhenses e achava que não iria aproveitar. Fiz três aplicações e viajei. Subi e desci 150 degraus nas dunas, andei muito em Barreirinha e subi e desci 270 degraus em Mandacaru. Para quem estava sem andar há quase quatro meses foi um progresso muito grande. Ozônio não faz milagre, mas é um excelente coadjuvante para tratamentos diversos”, avalia. >
Com intuito de aplicar a terapia com ozônio no sangue ou na pele do paciente para aumentar a oxigenação do tecido e auxiliar em quadros de infecção, a Lei nº 14.648/23, sancionada por Lula, autorizou o uso ozonioterapia, mas com restrições. O tratamento só é permitido para aplicação por profissionais de saúde de nível superior com registro nos conselhos de classe do seu estado o e somente em caráter complementar por falta de evidências científicas quanto aos seus resultados, que são questionados pelas entidades e representantes médicos. >
Nesses termos, o paciente precisa ser avisado que a terapia com ozônio é complementar ao tratamento principal. Ainda, qualquer procedimento só pode ser feito por equipamento de produção de ozônio medicinal regularizado pela Angência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). >
Procurada pelo CORREIO, a Anvisa esclareceu, por meio de nota publicada na segunda-feira, que a ozonioterapia só é indicada, até o momento, para tratamento de cárie dental, ação antimicrobiana, prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios e infeccicosos relacionados à periodontia, potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares na Endodontia, auxílio no processo de reparação tecidual na cirurgia odontológica e auxílio à limpeza e assepsia de pele. >
A agência reguladora ainda destaca que não há evidência científica da eficácia do tratamento em outras aplicações médicas. Dessa forma, novas indicações de uso da ozonioterapia precisam ser aprovadas pela Agência. “A utilização desses equipamentos para finalidades de uso além daquelas previstas nos registros, cuja aprovação é de competência legalmente conferida à Anvisa [...] constitui infração sanitária”, finaliza a nota. >
Na Bahia, a oferta de Ozônioterapia no SUS, embora seja prevista na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICS), não consta nos registros do sistema de informação, segundo informou a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A Secretaria Municipal de Saúde de Salvador também foi procurada para a mesma solicitação, mas não respondeu à reportagem. >
Por meio de nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), afirma que a sanção da lei pelo Governo Federal não contradiz os termos do Conselho Federal de Medicina (CFM), que continua em vigor por se tratar da autorização de um tratamento complementar. O Conselho ainda afirmou que mantém grupo de trabalho específico que avalia a eficácia e a segurança do uso da ozonioterapia. >
Já a Associação Médica Brasileira (AMB) entende que a ozonioterapia deve continuar como tratamento experimental até que “evidências científicas de qualidade possam alterar este status, o que deve ser feito pelo Conselho Federal de Medicina”, diz em nota. >
Por sua vez, a Academia Nacional de Medicina (ANM) adotou uma postura mais enfática. Contrária à ozonioterapia, a entidade classifica o tratamento como “pseudociência” e “nocivo” para a saúde. O parecer da ANM ainda cita o período da pandemia de covid-19, quando o uso da ozonioterapia foi “estimulada pelos grupos anti-ciência que ganharam voz no país, a partir do apoio governamental”, afirma em nota. >
O episódio em questão teve início em 2020, quando o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), decretou o uso do tratamento por via retal para combater o coronavírus, contrariando o Ministério Público. Na lei atual, não há menção ao uso em tratamentos contra a covid-19 ou outra doença em específico. >
Médico e diretor-científico da AMB, José Eduardo Lutafi Dolci, minimiza a polêmica em torno do assunto e enfatiza que o posicionamento contrário à ozonoterapia é uma defesa da ciência. “É muito importante deixar claro que não somos contrários ao uso complementar para algumas situações específicas. Somos contrários ao uso indiscriminado e sem comprovação científica da ozonioterapia para algumas doenças, que é isso que é eventualmente pode-se querer propagar mediante a aprovação desta lei”, aponta. >
Por outro lado, a nutricionista e fisioterapeuta Carolina Dias vê o tratamento como avanço. “É uma grande conquista para nossa área, uma vez que nós queremos promover saúde e não apenas tratar doenças com medicações, que é o que a indústria farmacêutica quer. Eles querem não querem que a gente promova saúde com uma terapia simples e barata”, opina. >
Especialista em ozonioterapia, a fisioterapeuta Zana Nunes reforça o posicionamento favorável. “Estamos falando de um tratamento eficaz. Para muitos, é umas das grandes descobertas da história. Pode ser um grande aliado aos tratamentos complementares de problemas respiratórios, como asma, bronquite ou doença pulmonar obstrutiva crônica, pois promove a entrada de maior quantidade de oxigênio no sangue, trazendo um alívio aos sintomas da falta de ar”, ressalta.>
A reportagem tentou contato com o Sindicato de Médicos da Bahia (Sindimed-BA), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (Fenam), que não retornaram até o fechamento desta matéria.>
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>