Pais de menina que matou o irmão podem responder por abandono de incapaz

Tiro foi acidental. Pena é de reclusão de 4 a 12 anos e mais um terço por serem ascendentes da criança

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  • Gil Santos

Publicado em 24 de outubro de 2023 às 05:30

Caso está sendo investigado e tem duas versões
Caso está sendo investigado e tem duas versões Crédito: Marina Silva/ Arquivo CORREIO

Os pais da menina de 7 anos que matou acidentalmente o irmão de 4 anos, no domingo (22), podem responder por abandono de incapaz. O caso aconteceu no município de Mascote, no Sul do estado, e deixou os moradores desolados. Existe a suspeita de que o pai estivesse ensinado a filha como manusear a espingarda quando houve o disparo.

A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Ana Carolina Trabuco, explicou que menores de 18 anos podem ser penalmente imputais e sujeitos às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que os pais também respondem pelos atos dos filhos.

“No âmbito civil, a regra geral é a da responsabilização dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores sob sua autoridade e em sua companhia. Trata-se de uma responsabilidade objetiva, prevista no artigo 932, I, do Código Civil. E, no caso dessa relação entre pais e filhos, tem origem na autoridade parental, um plexo de poderes-deveres atribuído por lei aos genitores ou responsáveis legais”, afirmou.

Ela explicou que no caso analisado, os pais eram os principais responsáveis pela menina de 7 anos, que cometeu o homicídio, e por Jadson Pereira Santana, 4 anos, que foi assassinado. Os pais poderão responder pelo crime de abandono de incapaz, previsto pelo artigo 133 do Código Penal: abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.

“Importante esclarecer, ainda, que se o ato infracional foi cometido por uma criança, ou seja, menor com até 12 anos incompletos, só cabe a aplicação de medidas protetivas, sendo as medidas socioeducativas previstas apenas quando verificada a prática de ato infracional por adolescente”, disse.

Para os adultos, a pena é de reclusão de 4 a 12 anos e mais um terço quando a pessoa que cometeu o ato de abandono é um dos pais da vítima. No âmbito civil, poderão responder, também, a um processo de suspensão ou destituição do poder familiar, ou seja, podem perder a guarda dos filhos.

O CORREIO não conseguiu contato com o delegado responsável pela investigação desse caso para saber se ele vai indiciar os pais por abandono de incapaz. Pela manhã, Adenilton Santana e Cristiane Pereira permaneciam detidos na delegacia de Itabuna.

A presidente da comissão explicou que, apesar das normas, cada caso precisa ser observado com cuidado, porque as especificidades de cada ocorrência podem alterar o entendimento sobre a forma correta de aplicar a lei.

“O tema é vasto, delicado, e, por isso mesmo, complexo, com muitas variáveis. A exemplo da modalidade de guarda para o caso de pais separados, o que levanta o questionamento sobre na companhia de qual deles o filho que cometeu o ato ilícito estava, e até mesmo se isso importa, assim como se o menor estava sob os cuidados de eventual empregador ou instituição de ensino. Demanda, como se vê, uma análise cuidadosa, sempre tendo em vista o caso concreto”, afirmou.

O caso

Jadson Pereira Santana, 4 anos, estava em casa com os pais, na zona rural de Mascote, quando foi baleado no peito com um tiro de espingarda. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu antes de receber os primeiros socorros.

Adenilton Santana contou para os investigadores que estava saindo para a roça quando deixou a espingarda encostada na parede da cozinha para pegar outro objeto. Teria sido nesse momento que a menina de 7 anos se aproximou e pegou a arma do pai e, ao tentar manusear a espingarda, atirou e acertou o irmão. A arma é de fabricação caseira, popularmente conhecida como 'chumbeira'.

Essa versão é diferente da que foi contada pela mãe das crianças, Cristiane Pereira, na porta da delegacia. Abordada pelo Blog do Espigão, a mulher contou ao repórter que o marido estava ensinando a menina a manusear a espingarda quando a arma disparou  acidentalmente e acertou Jadson. O acidente aconteceu por volta das 13h20, no momento em que ela estava dando de mamar para a bebê.

“Ele próprio pegou e deu para minha filha atirar, estava ensinado minha filha a atirar, então, meu filho atravessou na frente e tomou um tiro. Inocentemente, ela disparou e matou meu filho. Agora, em novembro, ele ia fazer 5 anos. Ele foi atingido no peito, do lado direito, e o chumbo respingou também no braço. Ele morreu na hora, não tive nem como salvar meu filho”, relatou, emocionada.

O depoimento foi gravado em vídeo. A mãe contou que a menina ficou desesperada e que está traumatizada. A polícia foi acionada e uma viatura da 62ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ Camacan) conduziu Adenilton e Cristane para a delegacia, em Itabuna, onde o caso está sendo investigado.

Nas redes sociais, moradores de Mascote e regiões vizinhas lamentaram o ocorrido. Uma mulher escreveu: “que tragédia, coitada dessa menina, imagina o trauma que ficou. Foi uma tragédia anunciada e o pai que vai carregar essa culpa”. Outra mulher registrou: “sem palavras. Que Deus conforte o coração saudoso dessa mãe, é lamentável essa narrativa. Cuide da criança, ela está emocionalmente abalada e precisa de acompanhamento”.

Desde que o fato ocorreu, a menina, autora do disparo, e a bebê estão sob os cuidados de familiares. Procurado, o Conselho Tutelar de Mascote informou que vai acompanhar o caso e que fará contato com a família e com as crianças nesta terça-feira (24).