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Larissa Almeida
Publicado em 27 de abril de 2025 às 14:00
O soteropolitano que nunca se perguntou sobre a origem dos nomes de determinados bairros e ruas de Salvador que atire a primeira pedra. Afinal de contas, não há explicação pública para o bairro Dois de Julho, que homenageia a independência da Bahia, abrigar a Rua da Forca. Outras curiosidades também não têm resposta: os moradores de Pau Miúdo eram – ou são, por motivo de força maior – desavantajados? Havia algo de especial nas árvores do Pau da Bandeira e Pau da Lima? Quem vivia na área de Canabrava abusava da cachaça, assim como quem vive no Beco da Gasosa? >
A reportagem foi em busca das respostas, mas avisa, desde então, que nem todas são unânimes. Historiadores, moradores, pesquisas junto à sites da prefeitura e até estudos realizados por acadêmicos da Universidade Federal da Bahia (Ufba) contam versões que se complementam, mas não são idênticas. >
A maior polêmica é quanto à origem de Pau Miúdo, que até hoje impõe aos moradores a necessidade de ter jogo de cintura para soltar um ‘lá ele’ na hora certa e se esquivar dos trocadilhos e piadas com o nome do bairro. Segundo o professor de história Adson Brito do Velho, autor dos livros ‘Salvador Tem Muitas Histórias’ e ‘Quem Tem Medo da Mulher de Roxo’, o nome da localidade surgiu por conta da vegetação que existia na região. >
“Ali, tanto na Cidade Nova como em Pau Miúdo, as casas eram construídas de taipa. Eram casas bem rudimentares, feitas de barro e cobertas de palha. Então, os moradores da região tinham que descer para Baixa de Quintas para pegar pequenos gravetos e paus pequenos para reforçar essas casas de taipa. Então, quando as pessoas subiam a ladeira até lá, sempre brincavam: ‘Estou levando o pau miúdo’, daí veio o nome”, explica. >
A versão de um morador da localidade, publicada em uma página do Facebook em 2012, conta uma história diferente. Segundo ele, a região que hoje contempla o bairro era morada de indígenas que, situados em um local relativamente alto da cidade, não tinham acesso vegetações grandes e densas para servir de esconderijo ou produção de matéria-prima para confecção de armas. O que tinha em abundância, por sua vez, eram finos gravetos que serviam de arma, que foram apelidados de paus miúdos, originando, depois, o nome do bairro. >
Quanto a Pau da Lima, bairro que faz divisa com Sete de Abril, Vila Canária, Jardim Cajazeiras e São Marcos, existia mesmo um tal senhor de sobrenome Lima que era fazendeiro e vivia em um local repleto de paus de diferentes árvores. O nome do bairro, no entanto, não tem nada a ver com a vegetação. É que o nome do dito cujo era Paiva Lima. Em meados dos anos 50, ele chamou alguns trabalhadores para cuidarem da fazenda e eles, sim, foram responsáveis pelo batismo do bairro. >
“Os moradores, que geralmente viam do interior para trabalhar nessas áreas rurais, inicialmente, diziam ‘vamos lá na fazenda de Paiva Lima’. Com o passar do tempo, essa oralidade popular prevaleceu e o local passou a se chamar Pau da Lima”, conta Adson. >
Já a Rua do Pau da Bandeira, que recentemente viralizou nas redes sociais pela vista encantadora para a Baía de Todos os Santos, recebeu esse nome porque era o local estratégico – justamente pela vista que proporciona – em que hasteavam bandeiras para orientar os navegantes no antigo sítio político da colônia. A rua fica situada entre a Rua Chile e a Praça Municipal. >
A poucos metros da Rua Chile, outro local que atrai curiosidade pelo nome é a Ladeira da Preguiça. No livro ‘Histórias de Salvador nos nomes das suas ruas’, o escritor Luiz Eduardo Dorea conta que a ladeira surgiu como solução a outra ladeira íngreme por meio da qual eram transportadas as mercadorias do porto para abastecimento da população. >
Mesmo assim, os homens negros escravizados, que faziam subir os carretões, diziam que o trabalho “dava preguiça”. De maneira irônica, então, a população e os escravocratas batizaram o local como a Ladeira do Tira Preguiça. Depois, o nome foi suprimido e se tornou Ladeira da Preguiça. Pela convergência, desta vez do tempo, a ladeira registra pouco movimento a pé, sendo a maioria do trânsito, hoje, composto por carros e ônibus. >
O que, por sua vez, não apresenta nenhuma convergência é a Rua da Forca, localizada no bairro Dois de Julho. Segundo Adson Brito, que em junho lança o livro ‘171 bairros de Salvador – origem dos nomes’, a rua ficou conhecida dessa maneira porque era ali onde ficavam os negros condenados para serem enforcados, antes de serem encaminhados para a Praça da Piedade, onde o enforcamento de fato acontecia. O nome, apesar de servir de memória para a não repetição do passado escravagista da cidade, destoa da celebração da independência que carrega a data e o bairro Dois de Julho. >
Ainda no Centro de Salvador, a origem do Beco da Gasosa, no bairro de Santo Antônio, não tem explicação histórica devidamente documentada. O que os moradores e frequentadores dizem é que, bem como sugere o nome, o local é ponto certo de venda de bebidas alcóolicas, sobretudo a cachaça. O bairro de Canabrava, que também sugere no nome a forma mais baiana possível de dizer que alguém bebeu demais, também tem sua raiz em uma mentira. >
“O bairro de Canabrava teve o processo de ocupação a partir da década de 70. No local, havia presença em abundância de uma espécie de cana que florescia às margens dos córregos. Era uma falsa cana [que não servia para fazer álcool] e daí, na linguagem indígena, veio o nome Canabrava, que quer dizer cana falsa”, explica o professor Adson Brito. >