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Gil Santos
Publicado em 25 de julho de 2025 às 07:08
O quadro As Meninas, de Velázquez, ficou eternizado entre outros motivos por retratar uma mulher com nanismo. María Bárbola era dama de companhia da princesa Margarida, da Espanha, e aparece ao lado da infanta na obra de 1656. A principal causa do nanismo é uma displasia esquelética chamada acondroplasia que acomete 1,8 mil pessoas no Brasil. É uma condição rara e que nada tem a ver com humor, mas com dores nas costas, nas pernas e uma vida de privações, mas essa realidade pode mudar.
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Em 2021, começou a ser comercializado no Brasil o medicamento vosoritida, nome comercial do Voxzogo. A droga foi desenvolvida pela farmacêutica BioMarin, e segundo a empresa, é usada em cerca de 40 países. No Brasil, são 300 pacientes fazendo uso da medicação, e em alguns casos, o crescimento foi de 12 centímetros em 2 anos. O tratamento é considerado o mais moderno no mercado, mas esbarra no custo elevado, que anualmente pode ultrapassar R$ 1 milhão. >
Os especialistas explicaram que a baixa estatura e os membros curtos não são uma questão apenas de estética, essas limitações provocam uma série de complicações, como hiperlordose lombar, cifose da coluna vertebral, arqueamento das pernas, desalinhamento dos dentes, infecções frequentes, obesidade e hipertensão. Cerca de 70% das pessoas com nanismo sofrem com dores crônicas nas costas, mesmo após cirurgias, e em 50% dos casos, elas sentem dores permanentes nas pernas.>
Na semana passada, a Associação Nanismo Brasil (Annabra) realizou o 1º Congresso Euroamérica de Displasias Esqueléticas. O encontro aconteceu em Copacabana, no Rio de Janeiro, e reuniu médicos especialistas e pacientes para discutir os tratamentos mais avançados para a acondroplasia. A presidente da entidade, Kenia Rio, explicou que o acesso ao vosoritida tem ocorrido através de ação judicial. >
“A maior parte dos membros da associação pega a receita médica e faz todo o processo através da Defensoria Pública da União. Daqui a dez anos, veremos uma grande diferença entre as crianças que tomaram a medicação e aquelas que não tomaram. Nossa luta é para que esse serviço esteja disponível para todos”, afirmou.>
A principal bandeira da categoria é para que o vosoritida seja incluído no Sistema Único de Saúde (SUS). O congresso reuniu especialistas do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Portugal e Espanha, além de delegações com representantes da Itália e da Rússia. O CORREIO foi convidado para acompanhar a discussão. >
Diagnóstico>
Os primeiros dois anos de uma criança com nanismo são os mais desafiadores, porque as chances de o recém-nascido ter morte súbita é 5 vezes maior que na população sem alteração genética, e aqueles que conseguem sobreviver ainda terão que travar inúmeras batalhas. >
O médico geneticista e clínico geral Juan Llerena explica que a acondroplasia é uma condição congênita, crônica e permanente que compromete o sistema endócrino do paciente. A anomalia pode ser identificada durante o pré-natal, em exames de imagem, e confirmada com um exame de DNA ou radiologia após o parto.>
“O diagnóstico cedo nos permite pensar com antecedência nas intervenções e tratamentos mais adequados. Com relação a acondroplasia, o pré-natal vai apontar alterações no crescimento do feto, faremos o acompanhamento até o parto e depois teremos o exame de confirmação”, explicou. >
Em 80% dos casos de acondroplasia os pais não tem anomalia e nem sequer há casos na família, a alteração genética ocorre ao acaso. Foi assim com a professora Maria Genomar, de Riachão do Jacuípe, no interior da Bahia. Ela teve o primeiro filho sem deficiência, mas o caçula foi diagnosticado com a anomalia. Não há histórico na família dela e nem na do marido. >
“Levei 1 ano e dois meses para conseguir a autorização na justiça, até que em 2023 Eduardo começou a fazer o tratamento com o Voxzogo. Em setembro, completa dois anos. Nesse período, ele cresceu 12 centímetros, as dores desapareceram, as infecções reduziram e ele ficou mais disposto”, contou. >
Congresso Annabra - RJ
Tratamentos>
A variante que provoca a acondroplasia foi descoberta em 1994. Desde então, três tratamentos foram desenvolvidos. As cirurgias de alongamento ósseo foram as primeiras e ainda são usadas. Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado foram 818 procedimentos no Brasil, 263 apenas no Nordeste. Depois, surgiu o tratamento com hormônio do crescimento, mas ele se mostrou pouco eficaz e foi abandonado. >
Em 2021, o Brasil aprovou o uso da vosoritida, uma medicação que já estava em uso nos EUA e outros países. Na prática, o paciente recebe o lote com as injeções em casa, passa por um treinamento e faz a aplicação diária, a partir dos seis meses de nascimento. O tempo do tratamento depende da idade óssea de cada pessoa.>
Ainda não há estudos sobre o uso da medicação a longo prazo, mas pacientes relatam que houve melhora no sono, na mobilidade e redução de infecções como otite e rinite. O principal efeito colateral é o aumento de pelos em diversas partes do corpo, o que já tinha sido observado nas pesquisas, mas sem riscos. >
Em nota, o Ministério da Saúde informou que recebeu um ofício solicitando a priorização da avaliação do Voxzogo, porém, ele ainda não entrou no processo de análise. Segundo a pasta, quando a análise oficialmente iniciar, o prazo para o resultado é de 180 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 90 dias.>
O Ministério e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não souberam informar quantas pessoas com nanismo vivem no Brasil. >
Já a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) foi procurada, mas não se manifestou. >