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Oposição alega que Zé de Migué (PP) é analfabeto e, por isso, não poderia se eleger
Maysa Polcri
Publicado em 2 de outubro de 2024 às 06:15
O candidato a vereador José Azevedo Cordeiro (PP), de 54 anos, foi surpreendido pelo pedido de impugnação de sua candidatura na pequena cidade de Teofilândia, no nordeste baiano. A coligação Juntos Somos Mais Fortes (PSD, PL, PSB Republicanos e Avante) o acusou de ser analfabeto e, por isso, não poder concorrer ao cargo. O pedido foi negado por uma decisão judicial feita em cordel. Zé de Migué, como é conhecido, diz que estudou até o ensino fundamental I e que só gastou R$169 na campanha deste ano.
Esta é a segunda vez que Zé de Migué tenta ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Teofilândia. A estreia foi nos anos 2000, quando ele não teve o número suficiente de votos. Neste ano, o candidato declarou ser dono de duas propriedades rurais no valor de R$13 mil em Socavão, povoado onde cresceu e estudou, além de uma moto avaliada em R$15 mil.
Para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Zé de Migué declarou ter recebido R$1.050 e ter gastado R$169,40 durante a campanha. O limite de gastos estabelecido para o candidato é de R$15.985, mais da metade do total de bens declarado por ele, que é de R$28 mil. Sua profissão é agricultor, ele é solteiro e se autodeclara como pardo. Zé de Migué afirma que estudou até a quarta série em um ginásio da zona rural de Teofilândia. Sua escolaridade é, portanto, ensino fundamental incompleto.
“Eu não sou isso que eles dizem. Tenho provas de escolaridade registradas. Estudei até a quarta série, no povoado de Socavão, onde tem um ginásio”, diz. Para ele, a oposição busca formas de impedir a sua candidatura. “Foi uma falta de respeito. Provei, para Deus e para a Justiça, que sou um cidadão de bem”, completa. A cidade tem 83 candidatos à Câmara Municipal, que possui 11 vagas para vereadores. Na última eleição municipal, em 2020, Teofilândia registrou 14.347 votos.
No pedido de impugnação da candidatura feito pela coligação Juntos Somos Mais Fortes, os cinco partidos questionaram a capacidade de leitura e escritura do candidato e, por isso, solicitaram que ele fizesse uma prova para comprovar que é alfabetizado. Na decisão do dia 9 do mês passado, o juiz José de Souza Brandão Netto, da 123º zona eleitoral de Araci, ressaltou que Zé de Migué apresentou documentos que comprovam seu nível escolar.
O que chamou atenção na decisão foi a forma com que ela foi escrita. O juiz utilizou versos de cordel, expressão cultural nordestina. “Nos nossos rincões, com analfabetismo funcional, há 38 milhões. Mas tem que não saber ler e não saber escrever uma frase inteligível”, escreveu o juiz.
José de Souza Brandão Netto destacou, ainda, que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o certificado escolar apresentados pelo candidato comprovam que ele é alfabetizado. Por isso, excluiu a necessidade de realização de prova para atestar a alfabetização. O juiz foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou sobre a decisão.
A coligação ainda entrou com recurso questionando a decisão feita com versos, mas o pedido foi indeferido pela relatora Maízia Seal Carvalho, na última quarta-feira (25). A desembargadora disse ainda que o pedido de impugnação foi feito fora do prazo estabelecido pela Justiça eleitoral.
O advogado Rafael Petracioli, professor de Direito Eleitoral, explica que candidatos precisam atestar que são alfabetizados para concorrerem a cargos eletivos. O grau de escolaridade, no entanto, não é avaliado pelo Tribunal Superior Eleitoral, basta que o candidato comprove que sabe ler e escrever. Isso pode ser feito através de certificados escolares, carta escrita a próprio punho ou documento oficial, como a CNH.
"Existem circunstâncias de inelegibilidade que, se ocorrerem, impedem que uma pessoa se candidate. A Lei complementar número 64, de 1990, estabelece que são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Ou seja, não podem ser candidatos aqueles que não podem fazer alistamento eleitoral e aqueles que não sabem ler e escrever", diz o professor.