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Wendel de Novais
Publicado em 27 de julho de 2023 às 14:53
Reconhecida e celebrada na oralidade do povo baiano e, sobretudo, negro há 200 anos, Maria Felipa de Oliveira, heroína da independência do Brasil na Bahia, ganhou, nesta quinta-feira (27), mais um registro material que faz referência à sua luta e história. Além das pesquisas e estudos em sua memória, existe agora também um monumento que a represente na Praça Cairu, em frente ao Mercado Modelo e ao Elevador Lacerda, no bairro do Comércio. >
A obra de quatro metros de altura, feita de fibra de vidro e banhada em bronze, foi inaugurada pela prefeitura. E, apesar de estar na capital, foi construída com a heroína voltada para a Ilha de Itaparica, onde lutou ao lado de um grupo de mulheres para bloquear o acesso de suprimentos dos portugueses a Salvador. Registro que se junta às múltiplas referências orais da sua existência.>
Gildete Virgens, 73 anos, foi à praça para participar da inauguração e celebrou o que chamou de vitória. "O negro teve uma grande função na história deste país. As mulheres negras, nem se fala e isso é esquecido. Na Bahia, Maria Felipa é símbolo disso. Uma mulher que luta e resiste até em memória na nossa oralidade contra o apagamento do que fez. Nada mais do que justo esse reconhecimento", fala ela, que é integrante da Casa Maria Felipa.>
Além do grupo de Gildete, as bandas 'Didá' e 'A mulherada' e as Filhas de Gandhy foram para a inauguração do monumento. Cherry Almeida, diretora do grupo Filhas de Gandhy, falou do orgulho de ver a obra em um lugar tão conhecido. "Vir nessa praça ou trazer alguém vai ser muito diferente. Olhar para uma igual neste lugar é muito forte, relembra a força que a mulher negra tem para história política deste país", diz.>
"A gente conta a história todos os dias, de forma oral há 200 anos não permitimos que a luta de Maria Felipa seja esquecida. Diante do pouco que sabemos das mulheres pretas da nossa história, ter esse símbolo aqui é de suma importância para que mais pessoas a conheçam", completa Cherry, destacando a visão coletiva e democrática de Maria Felipa no processo de luta contra os portugueses.>
A artista visual Nádia Taquary é autora do monumento, o primeiro a homenagear a heroína em território soteropolitano. Ela chamou de presente a oportunidade de representar Maria Felipa, disse que é uma honra se juntar à luta oral de preservação do que foi feito pela baiana e agradeceu a todos que fizeram possível a constituição de memória dela em monumento de arte.>
"Tenho profunda gratidão a todos que persistiram e continuaram contando essa história. Repetir isso por duzentos anos, mesmo não tendo acesso a registros escritos, e permitir me juntar a isso é um presente. Esse é o monumento que a cidade precisa, já que é fundamental o reconhecimento de quem realmente lutou por nós, seja na rua ou nas águas", afirma.>
Ela destacou também que nada na composição do monumento é à toa, citando adereços nobres, que a colocam como rainha e lutadora. O prefeito Bruno Reis, destacou a posição de Maria Felipa na praça, onde tem o olhar para Itaparica e, assim como fez na ilha, guarda a orla e as águas da cidade. >
"A obra está voltada para a Ilha de Itaparica, onde a estratégia de Maria Felipa de queimar os 40 navios portugueses funcionou e foi fundamental para a independência do Brasil na Bahia. Voltada para onde ela lutou e se fez heroína de nossa história, que é contada e celebrada há 200 anos", destacou o gestor. >
Historiadora, Victoria Fares lembra que Maria Felipa é parte de uma das frentes de resistência do Brasil na Bahia, em Itaparica, que a celebra e tem orgulho de sua figura. Ela pontua que, apesar da memória oral que se tem da heroína, esta foi alvo de um processo de invisibilização por uma cultura que valoriza apenas os registros materiais.>
"Quando se tem uma história que valoriza documento escrito, é uma forma de apagamento de sujeitos. Quem produziu, estava no meio político e fez as fontes oficiais? Se a gente for valorizar demais isso, a gente pinta uma independência que aconteceu no Rio de Janeiro. Não vamos contar a história da forma que ela existe", explica a professora.>
A historiadora ainda cita a existência de muitos registros de Maria Quitéria, mulher branca e filha de pais com posses, enquanto Maria Felipa, uma mulher negra e marisqueira, não tem essa documentação ao ressaltar o processo de apagamento sofrido por ela.>