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Raquel Brito
Publicado em 4 de março de 2024 às 22:21
Cercada de familiares e amigos, Veneranda Lordello, a Irmã Ressurreição, foi enterrada nesta segunda-feira (4), aos 92 anos, no Cemitério Memorial Ordem I de São Francisco. A ‘freira das crianças’, como era conhecida, estava hospitalizada desde o fim de dezembro e faleceu neste domingo. >
Na saída do Convento do Desterro, onde foi velada, era possível ouvir comentários em admiração sobre a vida simples e dedicada que a franciscana levou. Em fevereiro, completou 70 anos voltados às atividades da Igreja. “Essa mulher revolucionou o convento”, dizia uma conhecida. >
A revolução em questão se dá devido à determinação de servir ao seu bem maior: a jovem Veneranda tinha o sonho de se envolver em ações sociais para crianças de periferias, e foi isso que lutou para fazer. Nos anos 1980, afastou-se do convento para dedicar-se totalmente à ação social. >
Mas não foi fácil assim. Para fazer isso, ela precisou de uma licença especial. À época, como demonstração de apoio à freira, o arcebispo emérito primaz do Brasil, Dom Geraldo Magela, liberou que ela tivesse em sua casa um espaço de oração com o Sacrário. Nesse período, fundou três creches, uma em Nazaré, outra em Brotas e a última em Bosque Real. Para o frei Mário Erky, que conduziu a missa de corpo presente, ela é um dos "verdadeiros santos do anonimato".>
Em 2023, já abatida pela idade, ela voltou a viver no convento. Lá, fortaleceu amizades e fez outras. Uma das novas e fiéis amigas foi a jornalista Clécia Rocha, antiga interna da instituição. “Ela era sinônimo de pura vida para mim. Me deu muito ânimo. Bem quando eu estava na pior fase da vida, que foi o luto por meu pai, eu me deparei com essa figura. Acho que o caminho da gente se cruzou com essa finalidade. Era uma amizade que se completava”, conta Clécia.>
Para Irmã Mônica, Congregação das Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, Irmã Ressurreição iluminou a congregação ao longo das décadas. “Ela viveu toda sua vida religiosa para amar o Coração de Jesus presente na Eucaristia, mas em cada irmão, em cada criança, em cada doente, via o rosto de Jesus. Como São Francisco de Assis, Irmã Ressurreição foi exemplo de abnegação, humildade, simplicidade e identificação com Jesus, que se fez pobre para estar entre os pobres”, diz. >
Uma das servas de caridade de Irmã Dulce, Veneranda foi responsável por cuidar do galinheiro onde os doentes eram atendidos, local que viria a se tornar a sede das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). Sempre ativa, peitou a santa baiana para virar enfermeira e, mesmo levando uma bronca, conseguiu servir mais próxima dos necessitados. >
No início dos trabalhos com Irmã Dulce, Ressurreição ficou responsável pelo galinheiro, trabalho que deixava a jovem de vinte anos frustrada: queria ser enfermeira, mas, pela pouca idade, Irmã Dulce não permitia. Isso a levou a fazer sua própria manifestação. “Peguei um peru, coloquei a crista para cima, cortei e depois fiz um curativo. Quando Irmã Dulce chegou na janela, falou: 'o que é isso?', e eu respondi: 'fui eu! Porque a senhora não quer me deixar ser enfermeira. Eu quero ser enfermeira dos pobres, quero trabalhar com eles. Aqui vai ser a casa dos pobres'”, contou a franciscana ao CORREIO em 2023.>
Depois disso, e de uma bronca da freira mais velha, Irmã Ressurreição recebeu a autorização para exercer a enfermagem. De chapeuzinho branco estampado com uma cruz vermelha, receitava remédios e fazia curativos.>