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Maysa Polcri
Publicado em 28 de julho de 2025 às 06:00
O plano é modernizar o Código Civil brasileiro para que ele contemple as mudanças sociais das últimas décadas. Para isso, um projeto ambicioso: alterar mais de 800 dispositivos da principal lei que rege o Direito Privado no país, além de incluir outros 300. A proposta foi apresentada no início do ano e ainda não tem prazo para ser discutida no Senado. Se aprovada, deverá mudar - e muito - a vida dos casais brasileiros. >
Um dos principais pontos de mudança proposto pelo PL 4/2025 é a ampliação do conceito de família, com o reconhecimento explícito da socioafetividade — ou seja, vínculos familiares não apenas biológicos. O novo Código ainda legitima a união homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, mas que não é expressa na lei atual. >
Apesar de ter completado 23 anos em janeiro, o Código Civil brasileiro é considerado "atrasado" em relação às mudanças dos arranjos familiares. Especialistas, por outro lado, discutem a falta de categorização para temas específico. Uma das novidades é o divórcio unilateral. Nesse caso, a separação poderá ser feita diretamente em cartório, com a devida assistência jurídica, mesmo sem o consentimento da outra metade do casal. >
Atualmente, o divórcio sem ação judicial só pode ocorrer quando há consenso entre as partes e se o casal não tiver filhos menores de 18 anos ou considerados, pela lei, incapazes. Para a advogada Verena Hora, especialista em Direito de Família, o divórcio unilateral amplia a liberdade de cada indivíduo. >
"O diferencial da proposta é justamente não precisar mais do consenso, uma vez que retira a dependência do outro para formalizar a autonomia afetiva, evitando situações de abuso", defende a advogada. Entre os impactos citados por Verena Horta estão a maior celeridade e redução de gastos no processo de separação. >
Por outro lado, caso a parte que não concorde com a separação dependa do cônjuge, pode haver problemas. "A maior preocupação, no que se refere a esse ponto, diz respeito à eventual condição de dependência ou de vulnerabilidade que pode envolver o outro cônjuge, impactando nos deveres do casamento", pondera a advogada Lara Soares, também especialista em Direito de Família. Outra proposta é a possibilidade de que pais definam pagamento de alimentos e a guarda dos filhos menores de 18 anos sem precisar ir à Justiça.>
O projeto do novo Código Civil amplia ainda os deveres de ex-cônjuges no compartilhamento de despesas “destinadas à manutenção dos filhos e dos dependentes”, assim como de animais de estimação. Os animais, inclusive, ganham destaque especial na proposta, sendo categorizados como seres sencientes, ou seja, capazes de ter sensações e emoções. >
Lara Soares explica que as obrigações dos ex-cônjuges são voltadas à pensão alimentícia e à responsabilidade pelos filhos. O novo Código Civil, no entanto, abre brecha para que outros familiares sejam considerados dependentes, assim como os animais de estimação do casal. >
"O Projeto de Lei estabelece o compartilhamento das despesas com os filhos e também com outros dependentes, sem limitar a filhos menores, o que pode incluir pessoas sob guarda, curatela ou mesmo dependência econômica reconhecida. Também prevê a inclusão dos custos com animais de estimação, reconhecendo a importância afetiva e o vínculo familiar com os pets", detalha. Sem a especificação, sogras, sobrinhos e primos, que dependam desse casal, podem ter despesas incluídas como "dependentes". >
E de onde surgiram as ideias de mudança? As novas propostas para o Código Civil tiveram origem em um anteprojeto elaborado em uma comissão do Senado composta por 37 juristas, seis membros consultores e presidida pelo ministro Luís Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O PL foi apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao Senado em janeiro. A falta de debate público sobre as novas determinações dificultam a tramitação da proposta e colocam em dúvida as ideias apresentadas. >
Outro dispositivo acaba com a separação obrigatória de bens no casamento de maiores de 70 anos, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. Em 2024, a Corte definiu que impor o regime obrigatório de separação desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.>
Para a advogada Verena Horta, a medida se alinha às novas tendências geracionais, inclusive o aumento da expectativa de vida. "Presumir incapacidade patrimonial com base na idade é manifestação de etarismo jurídico. A proposta legislativa fortalece a segurança jurídica em tempos de longevidade e pluralidade nas formas de amar e conviver", diz. >