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Emilly Oliveira
Publicado em 28 de julho de 2023 às 05:00
Salvador é a capital com a maior população quilombola do país. Segundo dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados ontem (27), há quase 16 mil quilombolas vivendo na capital baiana. Essa é a primeira vez em que o grupo pôde se auto identificar em um censo. >
De acordo com a supervisora de disseminação de informações do IBGE, na Bahia, Mariana Viveiros, a inclusão da auto declaração de quilombola na pesquisa populacional do país, além de possibilitar a criação de políticas públicas específicas para as pessoas quilombolas, possibilita uma reparação histórica. >
“É o censo retratando como nós, enquanto nação e instituto de pesquisa, evoluímos no olhar para essa população que foi tão invisibilizada, negligenciada e perseguida no passado. Hoje, está sendo valorizada a ponto de estarmos fazendo o investimento de retratá-la nas suas especificidades, características e demandas”, explica Mariana. >
Considerado o lugar com a maior população negra fora da África, Salvador possui seis comunidades remanescentes de quilombos oficialmente reconhecidas e certificadas pela União, através da Fundação Cultural Palmares. Cinco delas estão situadas em Ilha de Maré (Praia Grande, Martelo, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos e Bananeiras) e uma no bairro de Paripe (Alto do Tororó). >
O levantamento divulgado pelo IBGE, no entanto, aponta que 92% dos quilombolas de Salvador vivem fora dos territórios quilombolas. Das quase 16 mil pessoas registradas na pesquisa, pouco mais de 14 mil estão em outras áreas da cidade. >
O número põe a capital baiana como o segundo município com maior quantidade absoluta nesta situação, atrás apenas de Januária (MG), que tem 15.000 quilombolas, o que corresponde a 100% da população da cidade fora do território de origem.>
Segundo Mariana, muitos quilombolas de Salvador ainda lutam para terem seus quilombos delimitados pela União, por isso, o levantamento do IBGE também foi importante para mapear a população situada nesses territórios.>
“Temos uma série de agrupamentos e localidades quilombolas menores e menos concentradas, que estão lutando para ter o seu quilombo oficialmente delimitado e reconhecido. Esse número tem a importância de dar visibilidade a essa população em uma capital. Mostrar que ela é grande, não está isolada e que há áreas consideradas quilombos”, pontua a representante do Instituto.>
Salvador também está no pódio dos municípios baianos de maior população quilombola, ocupando o segundo lugar no ranking. A capital está atrás apenas de Senhor do Bonfim. Além deles, a Bahia tem outras três cidades entre os dez de maior populações quilombolas do país: Campo Formoso (8º): 12.735; Feira de Santana (9º): 12.190; e Vitória da Conquista (10º): 12.057. >
De acordo com o Conselho Estadual das Comunidades Quilombolas da Bahia, o estado tem 937 comunidades certificadas pelo governo federal, além de outras ainda não certificadas. O número total estaria em torno de 1.500 comunidades. Destas, 15 estão distribuídas em oito dos 12 municípios da Região Metropolitana de Salvador, segundo os registros da Fundação Cultural Palmares. >
Quatro delas estão em Mata de São João (Barreiros, Pau Grande, Tapera e Riacho Santo Antônio), três em São Francisco do Conde (Monte Recôncavo, Porto de Dom João e Ilha do Paty) e três em Simões Filho (Dandá, Pitanga dos Palmares, Rio dos Macacos) e dois em Vera Cruz (Tereré e Maragogipinho).>
Outras quatro estão em Candeias (Boca do Rio - Aratu), Camaçari (Cordoaria), São Sebastião do Passé (Palmeira da Água Boa) e Lauro de Freitas (Quingoma). Um dos mais antigos da região, este último tem origem no XVII, cerca de 1200 hectares, 650 famílias e 4.856 moradores.>
Entre os moradores do Quingoma está a líder religiosa Donana Quilombola, 61. Segundo ela, a vida no quilombo é pautada no bem viver, acolhimento e cuidado. “É um território ancestral e sagrado. Aqui, buscamos preservar a cultura, história do povo negro e o meio ambiente. Nós somos, naturalmente, defensores e protetores do meio ambiente”, descreve.>
Uma das mulheres mais velhas do quilombo, Josefa de Souza, 80, mais conhecida como Zefinha, ainda tem disposição para plantar as raízes e frutas que mais gosta de comer. “Eu cheguei aqui com 29 anos e não quis mais sair. Eu gosto da natureza e da possibilidade de plantar para comer. Eu tenho aipim, manga e uma variedade de ervas que servem para os meus chás”, conta Zefinha.>
É com essa alegria e fé que moradores, como Ireno Pereira, seguem resistindo à especulação imobiliária e a falta de demarcação de terras, que ameaça a permanência das pessoas nos quilombos. “Não tive estudo para saber nem a minha idade, mas desde que nasci, aqui no Quingoma, nós lutamos para permanecer na terra. Esperamos que o censo garanta mais descanso às próximas gerações”, finaliza Ireno. >
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela>