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‘Sempre fui ativa e, de repente, estava destruída’, diz Clara Martins, sobrevivente de violência doméstica

Empresária foi torturada e violentada pelo então companheiro com espada de Samurai; ele foi preso há três anos

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 8 de março de 2025 às 06:00

Clara Martins sobreviveu a uma tentativa de feminicídio Crédito: Acervo pessoal

Uma história de conto de fadas se transformou em uma coletânea de terror no município de Alagoinhas, no Agreste Baiano. Em julho de 2022, quando o mundo enfrentava uma pandemia que matava milhares de pessoas por dia, a empresária Clara Martins teve que lutar pela própria sobrevivência diante da violência doméstica que sofreu do então companheiro. Ela chegou a ser torturada por 12 horas com uma espada Samurai e passou por outras violências, que culminaram em um aborto espontâneo e na perda da guarda dos dois filhos. Com ajuda de uma denúncia anônima, ela conseguiu ser resgatada com vida, ver o algoz ser preso e, hoje, comanda uma ONG que visa acolher mulheres que passaram por situações semelhantes. Neste Dia da Mulher, ela conta a história dela com o desejo de alertar todas aquelas que estiverem vivenciando uma situação de violência.

Confira abaixo o relato de Clara Martins:

“Em 2020, em meio a pandemia, eu conheci um príncipe encantada, um homem de uma família reconhecida, com padrão de educação. Nos envolvemos e os primeiros três meses foi um sonho. Uma paixão que talvez tenha sido a maior vivida. Só que, quando começamos a viver mais juntos – teve também a questão da pandemia –, eu percebi que o príncipe, na verdade, era um verdadeiro dragão que veio, de maneira violenta, destruir todo o castelo que eu tinha construído à base de trabalho. Quando eu falo de castelo, falo de uma estrutura de vida profissional, pessoal, familiar.

Foram diversas torturas vividas, psicológicas e físicas, sendo que a última, quando fui resgatada, havia completado 12 horas. [Fiquei conhecida como] a empresária que foi resgatada, no interior, depois de 12 horas de tortura contínua com espada de Samurai. [Também sofri] as micro violências, que normalmente são aquelas que a gente não nota, como isolamento e mudanças de comportamento, e tende a justificar dizendo ‘ah, deve ser o dia’, ‘deve ser porque bebeu’. No caso do agressor da minha história, foi uma coisa mais atípica pelo tempo curto e pelo nível de violência e de periculosidade, porque ele andava armado, ameaçando a mim e a meus filhos.

Eu não sei identificar o ápice, porque foram tantas dores e tantas torturas. Talvez, para mim, a maior tortura foi a que passei e perdi uma criança. A [tortura em] que fui resgatada, eu estava com o crânio e dedos fraturados e dois fêmures afundados com cabo de vassoura. Meu corpo todo estava machucado. Quando passei pela perícia dos médicos e da Justiça, as imagens mostravam que as cores dos hematomas impressos em mim eram diferentes, o que visivelmente tornou perceptível que eu vivia um processo de tortura e espancamento a longo prazo.

Como contra fatos não há argumento, a forma com que fui resgatada fez com que ele [o agressor] fosse preso em flagrante. Entretanto, a Justiça no Brasil exige que a vítima comprove que é vítima. Então, eu passei por muitas perícias, já que, inicialmente, só queriam acusá-lo da tortura em que fui resgatada. Consegui comprovar que, na verdade, não foi só uma tortura, mas várias vividas durante o período, além dos abusos. Passei por abuso patrimonial, sexual, familiar, psicológico e moral.

Para mim, recomeçar foi extremamente desafiador porque, com os abusos patrimoniais, eu fiquei sem nada. Precisei, durante muito tempo, de ajuda de amigos para me alimentar, me vestir e comprar remédio. Tortura é um crime hediondo e eu fiquei com a Sequela do Soldado de Guerra, que é quando alguém passa por níveis de estresse pós-traumático. Isso me impossibilita, até hoje, da capacidade laboral das 8h às 18h. Então, a minha produtividade se tornou mais limitada devido a isso.

Eu tenho reações no meu organismo que são involuntárias, como síndrome do pânico, ansiedade e hipervigilância, além de mãos que tremem muito. Tudo isso é muito desafiador. Além das dores e perdas, me ver com essas limitações é cruel, porque eu sempre fui uma mulher provedora do lar. Tive minha autonomia financeira e, antes disso tudo, tive destaque como empresária, atuando na câmara de uma empresária na Fecomércio-BA. Sempre fui uma mulher muito ativa e, de repente, estava totalmente destruída.

Tudo que eu precisei nesse caminhar de retomada à vida, eu replico para as mulheres que, hoje, assistimos na ONG. Atendemos mais de 100 mulheres de comunidades em estado de vulnerabilidade, onde levamos o Kit Dignidade, que é uma pasta e escova de dentes, absorvente, dentre outras ações. Fazemos tudo com muito carinho e essas entregas são muito cuidadosas porque queremos resgatar também a autoestima dessas mulheres. Por vezes, elas nem se enxergam mais como seres humanos, porque são tratadas como lixo. Pelo menos, era assim que eu me sentia e me enxergava. Precisei de olhares externos para me lembrar, principalmente, de quem eu era. De quem eu sou.

O Instituto Clara Martins nasce com esse objetivo de ser um agente de transformação, trazendo trilhas de entendimento do que é o ciclo da violência, os caminhos e socorros de redes de apoio, incluindo o psicossocial e jurídico, bem como acolhimentos com projetos de educação para a sociedade, mulheres e crianças. O primeiro projeto foi o livro ‘O Caso Chiara – Rompimento do Silêncio’, que traz a narrativa baseada na minha história, mas é uma ficção na qual tem uma personagem universal que é símbolo de resistência e de sobrevivência.

Depois, veio a história em quadrinho para o público juvenil, visto que o Estado não entende que os filhos de vítimas de violência são vítimas indiretas. Eu senti na pele a falta de assistência para os meus filhos, então quis dar assistência aos filhos de outras mulheres e também aos meus. Nós fizemos ‘As Jornadas de Chiara’, que é uma revistinha bem lúdica e moderna, trazendo temas como bullying, intolerância religiosa e violência doméstica, assim como os canais de denúncia.

[...] Espero que possamos, juntos, fazer esses atos de regaste e também ações preventivas. Que possamos ensinar nossos filhos a forma de tratar outros seres humanos e ensinar nossas filhas a se protegerem. É a minha forma de agradecer a Deus pelo fato de hoje estar viva. Eu poderia estar na estatística, mas eu sobrevivi a uma tentativa de feminicídio e trago para mim o propósito de evitar que outras mulheres e crianças passem o que eu passei”.

O agressor de Clara Martins foi preso e condenado a seis anos de prisão, em 2022. Mesmo após tentativas na Justiça, a empresária não conseguiu reaver a guarda dos dois filhos por dificuldades financeiras. Atualmente, ela se dedica de maneira exclusiva à ONG que leva o próprio nome, bem como à venda dos livros que podem ser adquiridos através deste site.

Durante todo o mês de março, a partir do dia 10, haverá uma loja toda dedicada à obra de Clara Martins com exposição ‘Rompenso o Silêncio’, no Shopping Piedade, no piso L3, na entrada da Junqueira Ayres. A iniciativa vai reunir fotos de vítimas de violência doméstica, assim como textos sobre a força feminina e dados sobre violência doméstica na Bahia e no Brasil.

A mostra tem o objetivo de sensibilizar e encorajar outras pessoas a reconhecerem a própria força e ressignificarem as próprias histórias, e pretende promover e ajudar o Instituto Clara Martins. Mais informações sobre a ONG ou formas de ajudar podem ser conferidas no Instagram @instituto_clara_martins.