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Moyses Suzart
Publicado em 7 de junho de 2025 às 05:00
É um absurdo o La Fúria nunca ter feito uma música sobre terremotos na Bahia. Você pode até se achar o rei ou a rainha da tremedeira no pagodão da sua rua, mas ninguém ganha da terra. No último dia 3 de junho, o estado registrou um tremor de terra (ou terremoto) na costa da Ilha de Itaparica, com magnitude de 3,0 na escala Richter. Mesmo o epicentro sendo identificado a 8 km da costa, existem relatos de moradores de Vera Cruz que sentiram o tremor. Uma tremidinha, se comparado ao treme-treme constante do globo terrestre, que registra, todo ano, cerca de 300 mil tremores em todo mundo. >
Mas calma. A esmagadora maioria deste treme-treme só sabemos que ocorre graças aos aparelhos sismográficos, pois é imperceptível para nós, humanos. Um exemplo disso é a própria Bahia. Somente em maio, o Laboratório Sismológico da UFRN (LabSis/UFRN) registrou 22 tremores no território baiano, que teve o maior número entre os estados nordestinos. Jacobina parecia uma festa paredão: foram nove registros, mas sem ultrapassar a magnitude de 2,4 na escala Richter. Dificilmente alguém vai sentir alguma coisa (confira abaixo). >
Segundo o Centro de Sismologia da USP, o terremoto sentido na Ilha de Itaparica foi o mais expressivo no país no mês de junho, ao menos até o fechamento desta matéria. Segundo relatos registrados pela LabSis, “moradores locais sentiram o tremor e relataram batidas em portas de suas residências”. Contudo, o abalo sísmico registrado na ilha não é nada comparado a outros epicentros. No mesmo dia que ocorria o tremor em Itaparica, com magnitude 3, a Turquia registrou um terremoto com 5,8. Lá, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. No mesmo dia, a Grécia chegou a detectar terremotos de escala 6,2, mas sem grandes consequências. >
No Brasil, o maior abalo sísmico já registrado foi ano passado, com grau de gravidade de 6,6. No entanto, além de ter sido em uma área isolada em Ipixuna, no Amazonas, também teve o epicentro a 614,5 quilômetros de profundidade, quase o dobro da distância entre Salvador e Jacobina. O único terremoto já registrado que provocou algum tipo de destruição ocorreu em João Câmara, município do Rio Grande do Norte, em 1980. Com uma escala de 5,1 graus na escala Richter, quatro mil casas foram destruídas. Nenhuma morte até hoje foi registrada em consequência de um tremor no Brasil. >
Em Itaparica, conversamos com alguns moradores, mas nenhum relatou ter sentido a terra tremer (alguns, quando perguntados, apenas soltaram um sonoro ‘lá ele’). “Desde ontem que estão falando isso, o povo está publicando que está sentindo tremor na Ilha. Não tem tremor, não senti tremor nenhum”, disse uma moradora de Vera Cruz, dona Regina.>
Não sentir, não significa que não aconteceu. Pela magnitude do abalo, nem todo mundo sentiria mesmo. “Tremores de terra de baixa magnitude são relativamente comuns no Brasil, sobretudo na região Nordeste. Em geral, esses pequenos sismos são de origem natural e ocorrem devido a liberação de esforços acumulados na crosta terrestre”, disse o LabSis/UFRN, em nota. >
O certo é que aquilo que a gente se orgulhava, do Brasil não ter terremoto, sempre foi culhuda de nossos pais. Sempre teve e, possivelmente, sempre terá. “A ideia de que não tem terremoto no Brasil é porque sempre foram de pequenas magnitudes e não provocaram grandes danos. Além disso, hoje em dia existe um número bem maior de estações sismográficas, que detectam sismos que não são sentidos pela população, daí a impressão que aumentou a frequência”, explica o geólogo, doutor e professor da Uefs, Carlos Uchoa.>
Cientistas também não acreditam que, por conta da mudança climática, por exemplo, as magnitudes aumentem na Bahia. Inclusive, não há relação de tremor com a atual situação climática no mundo. No estado, o ‘sacode’ mais significativo ocorreu em 2020. >
“Aqui na Bahia você não tem a possibilidade de ter um terremoto de seis (graus, na escala Richter). Podemos ter tido terremotos nesse nível de magnitude, mas há milhares e milhares de anos”, explica Uchoa, lembrando do caso que ocorreu na região de Amargosa. >
“Atingiu 4,2. Esse foi o mais forte sentido até hoje, pelo menos registrado. Foi no dia 30 de agosto de 2020. Realmente assustou as pessoas, derrubou botelhas, rachou paredes, derrubou mercadorias das prateleiras dos mercados… Então, causou realmente um pânico grande lá na cidade de Amargosa e regiões vizinhas”, lembra.>
Por isso, não é preciso pânico. Por questões geológicas, o Brasil fica num lugar estratégico, no centro de uma placa tectônica estável, conhecida como Sul-Americana, bem longe das bordas onde ocorrem os terremotos mais intensos do planeta. Com isso, os tremores aqui não são significativos. >
Oxe, se estamos longe destas beiradas tectônicas, por que há abalos sísmicos, mesmo que baixos? Apesar de estarmos no centro, esta placa está constantemente em movimento. Como explica Uchoa, a placa tem uma acumulação de energia em alguns locais e, consequentemente, essa energia é dissipada, normalmente por uma reativação de uma falha geológica. >
Vale salientar que nem todas as falhas geológicas, que são fraturas ou zonas de fratura na crosta terrestre, sofrem estes abalos. Inclusive em Salvador tem um processo tectônico que se tornou cartão postal da capital. >
Sabe a coluna que separa as Cidades Alta e Baixa, onde o Elevador Lacerda está instalado? É uma grande falha geológica de, aproximadamente, 140 milhões de anos. Ela é uma consequência da separação dos continentes africano e americano. Sim, Salvador era grudadinho com a África na época do supercontinente Gondwana, que se separou e formou o Oceano Atlântico. >
“É uma falha que não está mais ativa, por isso não tem tremor de terra ali. Mas em algumas áreas, essas falhas podem ser reativadas, provocando esses terremotos de menor magnitude e também de menor intensidade [como ocorreu na Ilha]”, completa Uchoa. Pelo menos por enquanto, uma requebrada do mundo não vai fazer mal nenhum à Bahia.>
Escalada da destruição (em Richter)>
Menor que 2,0 – Micro: >
Detectado apenas por aparelhos sismográficos.>
De 2,0 a 3,9 – Muito leve: >
Já pode ser percebido por algumas pessoas, mas sem causar danos.>
De 4,0 a 4,9 – Leve: >
São mais perceptíveis, podendo balançar janelas e objetos leves. >
De 5,0 a 5,9 – Moderado: >
Pode provocar pequenos danos em construções frágeis ou mal estruturadas. >
De 6,0 a 6,9 – Forte: >
Causa danos moderados a severos em áreas urbanas, com possibilidade de rachaduras e colapsos parciais em edifícios.>
De 7,0 a 7,9 – Muito forte: >
Provoca danos significativos e generalizados. Alto risco de vítimas e prejuízos.>
De 8,0 a 8,9 – Grande: >
Terremoto catastrófico. Destruição em grande escala, com possível geração de tsunamis.>
9,0 ou mais – Extremamente destrutivo: >
É muito raro. O último registrado foi no Japão, em 2011. Pode causar até mudanças geográficas, além de colapso total de estruturas. É devastador.>