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Carolina Cerqueira
Publicado em 16 de dezembro de 2023 às 05:00
O verão começa na próxima sexta-feira, dia 22 de dezembro e, quanto mais perto ele fica, maior a certeza de muito calor para toda a Bahia. Mas num estado tão grande quanto esse, será que as temperaturas elevadas são percebidas da mesma forma em todos os cantos? Não se engane: enquanto em Salvador o suor come solto, lá do outro lado, em Luís Eduardo Magalhães, Extremo Oeste, a sensação é de se estar em uma estufa. Para entender essas diferenças, o CORREIO ouviu especialistas e aponta onde a população pode sofrer mais nesse verão. >
A preocupação é grande porque a estação nem chegou ainda e as temperaturas já estão nas alturas. Neste fim de semana, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o Brasil passa pela nona onda de calor de 2023, que vai atingir o Oeste baiano com temperaturas que podem ultrapassar os 40 °C. “As ondas de calor são momentos dentro de um período seco com temperaturas acima da média em cinco ou mais graus que persistem por três dias ou mais”, explica a meteorologista do Inmet Cláudia Valéria. Esta será a quinta onda de calor do ano na Bahia. No estado, os episódios já aconteceram em agosto, setembro, outubro e novembro, no Oeste, no Vale do São Francisco, no Sul e no Sudoeste.>
Ainda segundo o órgão, o verão já vai dar as caras prometendo tempo seco e quente para toda a região Nordeste. Cláudia Valéria alerta que estão previstas ocorrências de chuvas na Bahia no final de dezembro, mas que elas não devem espantar o calor. “As chuvas estão ocorrendo muito pontualmente e já deveria estar chovendo com mais frequência. Por isso, de uma maneira geral, devemos ter algumas ocorrências de chuva, mas com a persistência de uma condição mais quente para os próximos meses”, destaca. >
O morador de Formosa do Rio Preto, cidade do Oeste que está entre as mais quentes da Bahia, Darlan Lustosa, de 50 anos, diz que vem sentindo mais calor este ano. “A partir de agosto, a cidade realmente enfrenta anualmente um calor intenso, mas neste ano a sensação é muito maior. Agora em dezembro já era para estarmos numa temporada de chuvas, o que ainda não aconteceu e o calor e o sol forte persistem. Por aqui os termômetros passam dos 40ºC", desabafa. >
Quais são os tipos de calor?>
O calor pode ser um grande vilão, principalmente para quem não tem ar-condicionado e piscina em casa, mas a verdade é que a Terra precisa dele para ser habitável. O problema acontece quando a quentura passa dos limites e a conta que envolve termos difíceis como altitude, latitude, maritimidade e continentalidade não fecha. E são justamente as diferentes características de cada região e o consequente resultado dessa equação que vão determinar que calor é esse que a população de cada lugar vai sentir. >
De forma geral, na Bahia, a grande influência nessa operação está na proximidade com o mar e com a vegetação. Quanto mais próximo do litoral e de florestas, menos altas tendem a ser as temperaturas por conta da umidade elevada. Isso porque o mar e as plantas ajudam a absorver o calor proveniente da radiação solar, amenizando o aquecimento. >
Mas se tudo está mais quente, nem o litoral vai escapar. Em novembro, Salvador teve temperaturas acima da média e uma redução de chuvas em 56%. Segundo o Inmet, a menor temperatura registrada na cidade no mês passado foi 22,8 °C e a maior, 33,3 °C. >
Esses valores podem até serem menores do que os do Oeste do estado, mas isso não significa menos desconforto para quem está na capital. Na verdade, os soteropolitanos costumam passar pelo perrengue de já chegar ao trabalho de manhã cedo envolto numa poça de suor. >
O doutor em ciências atmosféricas Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará, explica: “Num local quente, o corpo vai querer eliminar o calor para a atmosfera na forma de transpiração, que é o suor. Se o ambiente é úmido, ou seja, se tem muita umidade na atmosfera, a evaporação desse suor vai ficar mais lenta porque a atmosfera não comporta. Já se o ambiente for seco, rapidamente a atmosfera vai absorver esse suor que está sendo eliminado do corpo.” >
Ainda há outro fator que influencia: a ventilação. Quanto mais vento a região recebe, menor a sensação de desconforto. É por isso que Salvador, que tem condições de ventos mais favoráveis, pode ser mais agradável no verão do que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, que, também por estarem em latitudes maiores, terão amplitudes térmicas mais elevadas e, portanto, serão mais quentes no verão. >
Sem sair do estado, o especialista em mudanças climáticas e professor de geografia da Universidade Federal da Bahia Paulo César Zangalli Júnior cita Feira de Santana. “A cidade, mesmo sendo muito próxima do litoral, já vai ter um clima semiárido por conta da perda de força dos ventos que vêm do oceano trazendo umidade e que vão atuar muito mais na parte costeira”. >
Onde faz mais calor?>
Por compreender um grande território, a Bahia agrupa também diferentes tipos de clima. No caso do Oeste, do Sul e da região mais central, como afirma Zangalli Júnior, os verões tendem a ser mais chuvosos, ao contrário do norte e do litoral. E as chuvas podem significar temperaturas mais amenas. >
“No Oeste, Sudoeste e no Sul, numa diagonal, o período chuvoso começa a partir de outubro e, já na segunda quinzena de novembro, as temperaturas começam a baixar. Já na parte Norte, as chuvas só vão acontecer a partir de janeiro e fevereiro”, diz a meteorologista do Inmet Cláudia Valéria.>
Entre os dias 8 e 9 de outubro, conforme o Inmet, a cidade de Ibotirama, no Oeste da Bahia, registrou a temperatura mais alta de todo o Brasil. Os termômetros marcaram 40,8 °C, com uma sensação térmica de quase 42 °C. O administrador público Lamartine Araújo Júnior, de 45 anos, morador da cidade, diz que Ibotirama sempre foi quente, mas a escassez de chuvas vem se intensificando e, com isso, tornando as altas temperaturas ainda mais desconfortáveis. “O pior período é entre setembro, outubro e novembro. Aí é realmente calor demais. No restante do ano, já é mais ameno, pelo menos para a gente daqui que já está acostumado”, diz. >
Cláudia Valéria explica que o calor de Ibotirama se dá, além do período chuvoso curto, também pela baixa umidade relativa do ar. A cidade é a responsável pela maior temperatura já registrada na história da Bahia. Foram 42,9 °C em 2020. Em segundo lugar, está Alagoinhas, com 42,2 °C registrados em 1991. Em terceiro, fica Cipó, com 41,9 °C em 2015. Já considerando somente no ano de 2023, as temperaturas mais altas foram registradas em Bom Jesus da Lapa (41,6 °C no dia 26 de setembro), Formosa do Rio Preto (41,4 °C no dia 15 de setembro) e Ibotirama novamente (41,4 °C no dia 25 de setembro). >
Com todo esse calor, até o clima precisou ser reclassificado. Um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em novembro mostra, além da expansão da região semiárida no estado, pela primeira vez o registro de uma região árida no Norte da Bahia, similar aos desertos. A área tem cerca de 5,7 mil km² (oito vezes a área da cidade de Salvador), compreendendo municípios como Rodelas, Chorrochó, Macururé e Piauí. >
Por que está mais quente?>
Cláudia Valéria afirma que as temperaturas no Brasil estão mais elevadas na comparação entre as médias de 1961 a 1990 e de 1991 a 2020. Segundo o Inmet, em 2023 o país teve temperaturas acima da média por cinco meses consecutivos, de julho a novembro. >
Mas a situação afeta todo o planeta. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) já informou que 2023 vai entrar para a história como o mais quente de todos, com temperaturas 1,4 °C acima da média de 1850/1900. O último recorde tinha sido de 2016, com 1,29 °C. >
Nem o Ártico escapou do aumento de temperaturas, tendo o verão mais quente da história em 2023 e sendo afetado pelo derretimento acelerado de geleiras. O relatório anual da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), divulgado nesta semana, aponta que a temperatura média dos meses de julho a setembro na região foi de 6,4º C, a maior já registrada. >
Além do aumento geral da temperatura do planeta, as mudanças climáticas ainda significam a intensificação de fenômenos naturais como o El Niño, que pode maximizar os períodos secos. “Esse ano temos a atuação de um El Niño forte, que trabalha para que o aumento de temperatura seja mais evidente”, diz Cláudia Valéria. >
Para o climatologista Alexandre Costa, não há dúvidas de que a temperatura do planeta está sendo elevada por conta do aquecimento global. “A queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, por exemplo, aumentam a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que são os responsáveis por absorver a radiação. É como se você estivesse adicionando camadas de cobertores. Isso fica muito claro quando vemos que, ao longo do processo de industrialização, saímos de uma concentração de CO2 de 280 partes por milhão para 420 partes por milhão”, aponta. >
As consequências desse calor todo, segundo Costa, passam por uma série de aspectos. “Para início de tudo, em temperaturas muito elevadas nosso organismo tem seu funcionamento comprometido. Aí podemos trazer também questões como secas mais intensas, enchentes, alteração da fauna e da flora e ainda comprometimento da produção de alimentos”, finaliza. >
Nas últimas semanas, a preocupação com o calor atingiu em cheio os avicultores baianos. Em Conceição de Feira, próximo a Feira de Santana, uma produtora perdeu 20 mil aves por conta das temperaturas acima dos 35 °C aliadas à queda de energia elétrica. Segundo os especialistas, as mortes foram provocadas por um estresse térmico, que influencia na redução de ingestão de alimentos, dificulta o ganho de peso dos animais e os torna mais suscetíveis a doenças. Ao CORREIO, a produtora ainda relatou outros três episódios de perdas por conta do calor, somando mais cerca de 58 mil aves mortas. >
Com esse calor todo, o jeito é buscar alternativas para se refrescar. Em Ibotirama, os comerciantes relataram aumento nas vendas de sorvete e açaí, principalmente no mês de setembro, quando foi registrada a primeira onda de calor. Outra opção utilizada pelos moradores da cidade são os climatizadores, que refrescam os ambientes através de um reservatório de água e são mais baratos do que os ar-condicionados. O aumento da procura por lá levou ao fim dos estoques do produto, colocando clientes em listas de espera. >
Nas redes sociais, são os chamados ventiladores de pescoço (espécie de headphone com pequenas hélces) que estão dando o que falar por aqui após terem sido moda durante o verão no hemisfério norte. A tatuadora e influencer baiana conhecida como Malfeitona publicou no Twitter sobre o produto. “Quando eu vi pensei ‘que maluquice!’, mas mainha me deu de presente e eu agradeci demais. É ótimo para esse calor todo que está fazendo agora”, escreveu. >
De acordo com o ‘Guia dos Melhores’, plataforma de avaliação de produtos online, o ventilador de pescoço teve crescimento de 313% nas buscas do Google de agosto a outubro de 2023. Em segundo lugar do ranking aparece o ar-condicionado portátil (307%) e, em terceiro lugar, tapetes gelados para os pets (236%). Ar-condicionado, ventilador e leque também tiveram aumentos significativos. >
Segundo a Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba), os verões na Bahia costumam representar, historicamente, um aumento de 4% no consumo de energia. Para se antecipar à demanda, a companhia informou que montou um plano de ações para a temporada, investindo em obras de reforço e manutenção do sistema elétrico que atende os locais com maior fluxo de pessoas. >
A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace) afirma que há uma expectativa de aumento nos custos de energia para 2024 de, em média, 6,8% no país. A subida, num cenário de reservatórios das hidrelétricas cheios, se daria por conta do peso dos subsídios custeados por encargos. Segundo informou a Abrace ao CORREIO, no entanto, para a maior parte da Bahia não deve haver aumento. >
“Quanto à Neoenergia Coelba, a previsão é de estabilidade tarifária em 2024. Por um lado, aumentam os custos com encargos e de transmissão, mas, por outro, devem cair os custos de aquisição de energia e de distribuição, e a previsão é que esses movimentos se compensem”, respondeu. >
De 30 de novembro a 12 de dezembro aconteceu, nos Emirados Árabes, a COP28. O evento anual organizado pela ONU reuniu 197 países, incluindo o Brasil, com o objetivo de buscar soluções práticas para as consequências das mudanças climáticas. O foco da reunião deste ano foi o uso de combustíveis fósseis e o aquecimento do planeta, com o reforço da meta de limitar a 1,5 ºC o aumento da temperatura global, estabelecida em Paris, em 2015. >
Após uma maratona de negociações, foi aprovado na quarta-feira (13) um acordo que visa a transição energética dos combustíveis fósseis para energias alternativas, mais limpas. O texto diz que os países devem “triplicar a capacidade de energia renovável a nível mundial e duplicar a média global da taxa anual de melhorias na eficiência energética até 2030”.>
Vale ressaltar que esta é a primeira vez que a questão dos combustíveis fósseis consta em textos de resolução das COPs, devido às oposições dos grandes países produtores de petróleo. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) chegou a pedir que os seus membros vetassem menções aos combustíveis fósseis no acordo final da cúpula deste ano.>