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Maria Raquel Brito
Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06:00
A busca pela Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) aumentou em 26 vezes na Bahia entre 2018 e 2025 – em termos percentuais, um crescimento equivalente a mais de 2500%. Os números são do Painel PrEP, elaborado pelo Ministério da Saúde. >
PrEP é um medicamento utilizado para a prevenção do HIV, tomado, em geral, através de comprimidos. Atualmente, o estado tem 4.965 usuários regulares. Em 2018, ano em que passou a ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS), havia 190 pessoas cadastradas. Se comparado apenas com os primeiros nove meses daquele ano, mesmo período contemplado pelos números de 2025, o salto de lá para cá passa de 3200%. >
O medicamento é indicado para qualquer pessoa a partir de 15 anos que não tenha HIV, mas esteja em situação de vulnerabilidade para o vírus, a exemplo daquelas que deixam frequentemente de usar camisinha nas relações sexuais (sejam anais ou vaginais), quem faz uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV) e quem apresenta histórico de episódios de infecções sexualmente transmissíveis (IST). Se usada corretamente, a PrEP reduz o risco de HIV em até 90%.>
PrEP e HIV na Bahia
Na Bahia, a maioria dos usuários de PrEP são gays e outros homens que se relacionam sexualmente com homens (bissexuais, por exemplo), que representam 88,3%. Em seguida vêm os homens heterossexuais cis, que são 5,6% dessa população. Em relação à faixa etária, o maior percentual de usuários está na faixa dos 30 a 39 anos – 38,4% do total.>
A profilaxia consiste na combinação de dois outros medicamentos, tenofovir e entricitabina, que circulam no sangue e, caso entrem em contato com o HIV, evitam que o vírus se propague e promova uma infecção ativa. “Ele é bloqueado pelos medicamentos. É como se fosse um tratamento bem precoce: antes mesmo que a pessoa se infecte, ele recebe o medicamento e vai proteger as células de serem infectadas”, explica o infectologista Carlos Brites, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Virologia do Hospital Professor Edgard Santos (Hupes/Ufba).>
De acordo com Brites, o aumento de sete anos para cá se deve basicamente às medidas de informação. “Essa prevenção, na verdade, vinha sendo subutilizada em nosso meio. Tinha muito mais gente candidata a fazer isso por exposições frequentes e que não faziam uso ou por não terem acesso à informação ou por não terem acesso ao medicamento. E hoje, se tem mais informação e mais acesso ao medicamento. Cidades maiores têm hoje mais condições, têm alguns centros para distribuição gratuita desses medicamentos, e isso amplia a utilização”, diz o médico. >
Ele ressalta, porém, que o número de pessoas aptas a usar a PrEP ainda é maior do que aqueles que de fato estão utilizando o medicamento, segundo parâmetros do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Entre janeiro de 2023 e o início de agosto de 2025, mesmo período em que a PrEP registrou 6.561 novos usuários na Bahia, foram diagnosticados 11.187 casos de HIV e Aids no estado, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab).>
Atualmente, existem 40 unidades dispensadoras de PrEP na Bahia, espalhadas por 34 cidades, como Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista. >
O fisioterapeuta João Pedro Azevedo, de 32 anos, ficou sabendo sobre o medicamento pelas redes sociais em 2021, mas só começou a fazer uso tempos depois, quando um amigo que já tomava o orientou sobre onde conseguir em Salvador. Desde então, sua adesão à PrEP varia. Se está em uma relação estável, com um parceiro fixo, o uso é diário. Quando está solteiro, usa apenas quando vai se relacionar sexualmente com alguém – esse segundo caso segue o esquema 2+1+1: toma dois comprimidos até 24 horas antes da relação sexual, um no dia seguinte e outro um dia após a segunda dose.>
Essas são duas das três maneiras listadas pelo infectologista Carlos Brites para a utilização segura e eficaz da PrEP. A terceira forma é a injetável, ainda indisponível na rede pública brasileira, exceto em pesquisas. >
“O medicamento é injetado a cada dois meses e essa injeção protege o paciente nesse período. O mais recente, que também está sendo testado aqui em Salvador, no nosso centro, foi o mais eficaz até agora. É uma injeção subcutânea a cada seis meses, com a proteção absolutamente superior a todas as outras estratégias utilizadas”, diz Brites. Segundo ele, ainda não há previsão de comercialização. >
Para começar a usar PrEP, é necessário fazer o teste anti-HIV, realizar exames de IST e checar, por meio de um exame de sangue, se os rins e o fígado estão funcionando bem. >
De 2018 para cá, João Pedro se sente mais seguro para ter suas relações sexuais, porque tem consciência de que faz uso de uma prevenção adicional para o HIV.>
“Não abri mão do uso do preservativo, mas sei que ele também não protege 100%. Além disso, o vírus do HIV pode passar de outras formas, não somente durante a relação sexual. Como sou profissional de saúde, existe um risco de transmissão até durante o meu trabalho, caso eu tenha contato com sangue de uma pessoa que vive com HIV”, diz.>
Apesar de proteger contra o HIV, se engana quem pensa que a PrEP é uma alternativa aos preservativos. Isso porque o risco de contrair outras infecções sexualmente transmissíveis continua existindo. Mas, na prática, essa troca não é rara.>
Segundo Carlos Brites, no geral, quem usa PrEP são pessoas que não querem usar camisinha. “E eles sabem dos riscos de outras infecções, mas preferem não usar mesmo assim. Os perigos são as outras infecções sexualmente transmissíveis, que não são prevenidas com a PrEP. Então, no mundo inteiro o uso de PrEP provocou aumento de outras ISTs, mas reduziu o risco do HIV”, afirma.>
Também infectologista, Clarissa Cerqueira diz não perceber tanto esse movimento de substituição no dia-a-dia. “Não percebo tanto isso, de pessoas falarem: ‘estou usando PrEP, não vou usar preservativo’. Isso é mais do costume prévio da pessoa, antes da PrEP. Essa foi uma preocupação nossa, dos médicos infectologistas, quando o medicamento chegou, mas não observamos, na prática, muita diferença, não”.>