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Priscila Natividade
Publicado em 1 de outubro de 2023 às 05:00
Foram 15 dias perdido bem no fundo do mar, nas profundezas do Porto de Salvador. Nem o dono, um turista de Brasília, tinha esperança de recuperar o aparelho, quanto mais em vê-lo funcionando. Até que o técnico de iPhone Elcimar Alves, mais conhecido como Sinho do iPhone (@sinhodoiphone), não só 'ressuscitou' o celular como também conseguiu devolvê-lo funcionando 100%. Como? É essa história que vai ser contada agora. >
Seu celular pode não ter sobrevivido a um banho de piscina, queda na pia enquanto lavava um prato ou à tragédia de cair no sanitário químico no Carnaval, mas o iPhone do engenheiro agrônomo brasiliense Fabrizzio Monteiro, sim. Foi no primeiro dia da viagem, no final do mês de agosto, enquanto filmava a paisagem, que um amigo sem querer esbarrou na mão de Fabrizzio e o celular foi direto para a água. >
“Desde então, havia perdido as esperanças, pois me disseram que era bastante profundo por ser uma área de porto de barcos. Como eu estava no primeiro dia de viagem, fiquei bem desesperado porque todas as minhas coisas pessoais, acesso a conta de banco e até dinheiro – porque hoje a gente não anda mais com dinheiro vivo, fica tudo digital – estava no aparelho. Fiquei praticamente sem uma parte da minha vida”, conta Fabrizzio. >
O modelo era um iPhone 12 Pro, que em uma busca rápida na internet nota-se que pode custar mais de R$ 5 mil. “Já tinha quase 2 anos que eu estava com esse aparelho. Dois dias depois, eu precisei arranjar outro, até porque eu ainda estava trabalhando em alguns momentos. Só que acabei tendo problema também porque, como meu DDD é 62, eu não encontrava chip na cidade. Foi uma sensação muito ruim, tanto por perder dados pessoais, quanto porque foi um aparelho que demorei de conquistar”, detalha. >
Mas antes de Sinho do iPhone entrar na história, o mergulhador Rivanildo Santos, o Riva - que é amigo do técnico de celular - encontrou o aparelho no Porto de Salvador, a uma profundidade de quase 4 metros, numa área em que ele raramente mergulha. >
“Logo quando vi, o aparelho já se encontrava com um pouco de lodo, mas dava para ver que era um celular. E quem não quer ter um iPhone, né? Mesmo sendo um achado, eu me coloquei muito no lugar do dono. E se fosse eu que tivesse perdido? Tem pessoas que, para comprar um celular desse, pagam em 12 vezes no cartão. Sempre fui orientado pelos meus pais que eu devolvesse o que não fosse meu e sempre assim eu fiz”, diz Riva. >
Rivanildo Santos, o Riva
mergulhadorEle, que em outros momentos já encontrou no mar até uma GoPro - porém, a coitada não sobreviveu a tanto sal assim -, decidiu levar o aparelho para Sinho, que recebeu o iPhone desligado e cheio de água. “De cara, logo quando abri, o iPhone tinha vários pontos de oxidação por dentro, tanto na placa quanto nos periféricos. Decidi consertar pelo desafio mesmo de ser mais um para recuperar, ainda mais da maneira que foi encontrado no fundo do mar”, afirma Sinho, que trabalha com isso há oito anos. >
Ele levou cinco dias para ‘ressuscitar’ o iPhone. “Foi um grande desafio, pois até eu fiquei surpreso. Já consegui recuperar outros também, mas já teve alguns que não tive sucesso. Sem dúvida, esse foi muito especial, ainda mais porque depois fiquei sabendo que foi de uma pessoa fora de Salvador. Foi um conserto um pouco complicado, afinal, tive que desmontar todo, fazer uma limpeza profunda nos componentes. Até pensei que não iria ter mais jeito, porém, não desisti e assim ele voltou a funcionar”. >
Sinho do iPhone
técnicoSinho não precisou trocar nenhuma peça, mas afirma que, em casos de contato com o mar, quase sempre é necessário substituir a tela, a bateria ou algum outro componente. E diz mais: colocar o aparelho no arroz é mito. >
“A verdade é que todo mundo corre logo para o arroz que, de fato, tem propriedade absorvente, mas não o suficiente para secar e salvar um celular ou até mesmo um aparelho eletrônico. Infelizmente, não dá para salvar qualquer iPhone ou outro smartphone que cai no mar. Tudo depende do tempo caído na água ou se teve contato com algum líquido e se ele já foi aberto antes, pois isso perde a proteção que os aparelhos vêm de fábrica para serem resistentes a água. Além disso, cada celular pode ter um problema diferente”, explica. >
Normalmente, um conserto como esse custaria de R$ 150 a R$ 1 mil ou até mais, a depender da gravidade da oxidação. Por ano, o técnico, que tem uma assistência no Acupe de Brotas, diz que chega a consertar mais de mil aparelhos com todo tipo de problema. Mas todo tipo mesmo: >
“Existem inúmeros problemas como telas, baterias, câmeras, porém, é muito comum aparecerem aparelhos que maridos ou esposas quebraram um do outro com raiva. Lembrando também que aparecem aparelhos que foram esquecidos em cima de carros, que acabam voando pela pista e são atropelados. A recorrência com água é grande. A maioria das pessoas acaba tendo algum descuido e aí o celular cai em vasos sanitários, piscinas, esquecem na areia da praia e o mar acaba molhando. Isso tanto para iPhones, Samsung, Motorola, na verdade, todas as marcas”. >
Após consertado, a missão foi encontrar o dono do iPhone que já quis um dia virar peixe. Riva, o mergulhador, pegou o chip que estava no aparelho e colocou em outro, e assim ele e Sinho conseguiram entrar em contato com o turista, ao acessar a agenda telefônica. “O dono ficou sem acreditar e disse que já tinha 15 dias que havia perdido o celular. Até então, não tínhamos ideia de quanto tempo o aparelho estava no mar e principalmente quando foi que ele caiu. Mandei um vídeo mostrando o aparelho, a foto dele na tela, foi aí que ele acreditou e agradeceu muito pelo que estávamos fazendo e não só porque foi o celular, mas sim pela nossa conduta”, lembra Sinho. >
Do outro lado na linha e a 1.442 km de Salvador, Fabrizzio Monteiro realmente não acreditou logo de cara e chegou a imaginar que fosse algum trambique. “O meu primeiro susto era imaginar até que era golpe. Mas como ele ia conseguir o número do meu telefone e ainda saber da história? Só meus amigos sabiam o que aconteceu. Eu jamais esperava essa atitude". >
Fabrizzio Monteiro
turista e dono do iPhoneA jornada só chegou ao fim quando o celular retornou para Fabrizzio. “Estava perplexo. Sinho fez um ótimo serviço, arrumou o aparelho que ficou duas semanas debaixo do mar e que agora está funcionando 100%. Já testei todas as funcionalidades. Financeiramente falando, também me ajudou muito porque eu vou conseguir suprir um pouco dos gastos que tive com o outro aparelho. Uma gratidão que é inexplicável. Foi uma ação muito bonita”, completa o turista.>
Para Sinho, não foi só mais um iPhone que ele consertou. Teve outro significado. “Tudo isso foi bem importante para eu ter noção da capacidade de conhecimento, sabe? Ali trabalhando vários dias e ver que não foi em vão, que tudo foi muito bem feito. Porém, além disso, conseguir devolver o celular fez eu me sentir mais humano, afinal o mundo precisa disso, ter mais fé nas pessoas, no próximo. Então, foi ainda mais gratificante para mim. Não foi por dinheiro e sim para as pessoas saberem que ainda existe gente de boa índole e com esperança. Espero que muitas pessoas possam agir assim ou até mesmo de forma muito melhor”. >
Quanto tempo um celular pode permanecer debaixo d’água? Professora do curso de Engenharia da Universidade Salvador (Unifacs), Camila Moura ressalta que, tecnicamente, isso depende muito.>
“Se ele possuir IP67 (Ingress Protection), em média 30 minutos, a 1 metro de profundidade. Se for IP68, em média 30 minutos, mas em profundidade um pouco maior do que 1 metro. E se a água for salgada, esse tempo é bem menor”, afirma. Se o aparelho vai voltar a funcionar ou não depois desse banho é outro ponto relativo, complementa a professora: >
Camila Moura
Professora do curso de Engenharia da Unifacs“Se não houver danos aos componentes ou circuito principal, seria necessário apenas uma limpeza. Caso haja danos a componentes secundários de fácil troca, seria necessário apenas fazer o reparo. Agora, se o dano chegou à memória do aparelho, normalmente, não há como recuperá-lo”. >
Para Camila, um celular voltar a funcionar nas condições que o de Fabrizzio foi encontrado é a soma de um pouco de sorte, o estado do iPhone, o trabalho minucioso feito pelo técnico que o consertou e o avanço da tecnologia aplicada aos smartphones contra o contato com a água. >
“Sorte por ter encontrado condições favoráveis à preservação do aparelho. E os avanços tecnológicos nos aparelhos celulares quanto a vedação e resistência a água também estão cada vez mais presentes, principalmente porque hoje em dia usamos esses aparelhos o tempo todo, o que os coloca em risco de contato com suor, chuva ou um copo de água que foi derramado, por exemplo”, acrescenta.>
1. Em hipótese nenhuma, ligue o aparelho. Se você ligar, o contato com o líquido aumenta o risco de queimar componentes como o conector de carga, tela, a bateria e até a placa, por exemplo. >
2. Também não coloque para carregar após o contato com a água, pois pode causar um curto. >
3. Tente secá-lo, o máximo que puder para não oxidar os componentes. >
4. Se ligue, arroz não faz milagre. Ele até tem propriedade absorvente, mas não o suficiente para secar e salvar um celular.>
5. Leve o quanto antes em uma loja especializada para fazer os procedimentos necessários e tentar recuperar o aparelho. >