Voluntária que atuou em enchentes na Bahia morreu em ataque na Faixa de Gaza

O comboio foi atingido quando saía de um armazém após descarregar mais de 100 toneladas de donativos

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  • Saulo Miguez

Publicado em 3 de abril de 2024 às 11:03

Lalzawmi Frankcom, mais conhecida como Zomi
Lalzawmi Frankcom, mais conhecida como Zomi Crédito: Reprodução/Rede Social

Além da comunidade palestina, o ataque das tropas israelenses, realizado na última segunda-feira (1º), que deixou 12 mortos, entristeceu profundamente a cidade de Ilhéus e boa parte do sul do estado. O motivo do luto é que entre as vítimas está a voluntária australiana da World Central Kitchen (WCK) Lalzawmi Frankcom, mais conhecida como Zomi, de 43 anos.

A equipe da WCK estava viajando em uma zona de conflitos em dois carros blindados. O comboio foi atingido quando saía de um armazém em Deir al-Balah, após descarregar mais de 100 toneladas de donativos que chegaram em Gaza pelo mar.

Além de Zomi, também morreram o palestino Saifeddin Issam Ayad Abutaha, o polonês Damian Sobói, Jacob Flickinger, que possui dupla nacionalidade dos EUA e Canadá, e os britânicos John Chapman, James (Jim) Henderson e James Kirby.

Zomi era a coordenadora do time que atuou nas enchentes que atingiram o sul da Bahia em 2021 e 2022. Por dez dias, ela ajudou a fornecer alimetação para desabrigados nas cidades de Ilheus, Itabuna, Jequié, Dário Meira e Itambé. Foram 67 mil refeições adquiridas e mais de R$ 1,5 milhão injetados na economia. Só em Dário Meira, foram mil refeições fornecidas diariamente.

A voluntária do Grupo Amigos da Praia (GAP), que atou ao lado da WCK, Jurema Barreto, relembra que a ONG chegou no dia 1º de janeiro de 2022 em Ilhéus, após o compartilhamento de uma postagem no Instagram sobre os problemas que a região enfrentava.

Voluntários do GAP e da WCK atuando nas enchentes do sul da Bahia
Voluntários do GAP e da WCK atuando nas enchentes do sul da Bahia Crédito: Grupo de Amigos da Praia

"Eles estavam no Haiti e, em menos de 24 horas, chegaram aqui na Bahia. Muita gente nem sabe que isso aconteceu porque eles trabalham de maneira muito eficiente e muito discreta. Ativistas do mundo inteiro estão em choque com essa notícia", lamentou.

Caio Carvalho Calazans, que também trabalhou com Zomi na ajuda às vítimas das enchentes do sul da Bahia, contou que foi um privilégio conhecer e colaborar com ela e a WCK.

"Testemunhei o profissionalismo, dedicação e altruísmo deles em ajudar os afetados pelas fortes chuvas. Apesar de rápido, o contato com os voluntários da WCK foi inspirador e muito gratificante. Foi aquela ajuda que cai de paraquedas, sem ninguém precisar pedir", disse.

Ele também lamentou a morte de Zomi e demais membros da organização na guerra. "Uma guerra insana, que ceifou tantas vidas inocentes, usurpou do mundo seres humanos tão exemplares. Infelizmente, essa tragédia servirá para fomentar ainda mais violência e morte de inocentes".

Legado

A atuação humanitária de Zomi na Bahia ajudou a matar a fome de milhares de pessoas e ainda fortaleceu a economia local. A cozinheira e empresária Rosiene Alves dos Santos foi uma dessas beneficiadas. Ela se emocionou muito ao falar do ocorrido.

"Ela era maravilhosa. Era uma pessoa realmente preopcupada com a situação da nossa região e que vai fazer muita falta para todo o mundo. É uma pena ver pessoas tão boas e que fazem tanto bem morrerem dessa forma", desabafou.

Rosiene lembra que Zomi ia pessoalmente ao seu restaurante verificar a qualidade das 100 refeições que saiam todos os dias da sua cozinha para os desabrigados. "Ela era muito preocupada com a higiene e a condição da comida", disse.

O contrato firmado com a WCK permitiu a Rosiene manter seu restaurante, na época recém-inaugurado, de pé e, posteriormente, reformar e ampliar o negócio. "A ONG ajudou muitas pessoas da região comprando alimentos e doando para quem precisava, sempre pagando tudo certinho. Nunca vi uma organização com um trabalho tão lindo como esse".

Trabalhos interrompidos em Gaza

Em nota, a World Central Kitchen contou que está arrasada com a morte de Zomi e demais membros da organização. “Este não é apenas um ataque contra a WCK, é um ataque a organizações humanitárias que aparecem nas situações mais terríveis em que os alimentos são usados ​​como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse Erin Gore, CEO da World Central Kitchen.

O comunicado diz ainda que a WCK está interrompendo as operações na região de Gaza e que, em breve, serão tomadas decisões sobre o futuro da ação. “O amor que tinham por alimentar as pessoas, a determinação que incorporavam para mostrar que a humanidade se eleva acima de tudo, e o impacto que causaram em inúmeras vidas serão para sempre lembrados e apreciados”, completou Erin Gore.

Fundada em 2010 pelo Chef José Andrés, a World Central Kitchen é uma organização sem fins lucrativos que atua fornecendo refeições em resposta a crises humanitárias. Ela já serviu mais de 350 milhões de refeições em todo o mundo.