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Emilly Oliveira
Publicado em 13 de julho de 2023 às 05:30
Uma história com uma lição de vida sobre humildade foi contada no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba), nessa quarta-feira (12), pela nova Doutora Honoris Causa da instituição: Nanci de Souza e Silva, Egbomi Vovó Cici de Oxalá, ou Vovó Cici, como é conhecida. Consagrada como contadora de histórias, ela prendeu a atenção do público com suas palavras, durante a cerimônia de titulação. >
O título, proposto pelo coletivo Netindeafro, do Instituto de Letras da Ufba, reconhece a contribuição da contadora de histórias de 83 anos, como mestra griô - herdeira dos saberes e fazeres da tradição oral - e pesquisadora do Espaço Cultural Pierre Verger, no bairro do Engenho Velho de Brotas, em Salvador. >
“Esse título não é só meu, eu compartilho com todos, todas, todes e os que mais vierem. Compartilho também com aqueles e aquelas que caminharam comigo em épocas não tão distantes, empunhando uma bandeira de liberdade e compreensão, durante os anos de ferro que ficamos aprisionados sem grades e sem correntes”, celebrou Vovó Cici. >
A entrada no Salão Nobre da Reitoria foi acompanhada por um cortejo trajado de branco e carregado de flores, ao som visceral dos atabaques e dos cânticos ancestrais. A enciclopédia viva foi aplaudida de pé. >
“É com alegria imensa que o branco de Oxalá e o marrom de Xangô celebram esse momento ímpar, especial, que é a concessão do título de Doutora Honoris Causa à senhora. Eu tenho certeza que essas cores solares despacharão os tempos sombrios”, destacou Paulo Miguez, reitor da Ufba. >
Nascida no Rio de Janeiro, as cores solares que acompanham Vovó Cici já incidem sobre a Bahia há 50 anos, e desde o ano passado, ela possui o título de Cidadã de Salvador. Trazida pela religião, se iniciou no candomblé e se tornou egbomi do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em Lauro de Freitas, Apetebi no culto de Ifá e herbolaria - conhecedora das propriedades medicinais das plantas e magias dos cantos que despertam as propriedades das folhas. >
No terreiro, onde morou por 34 anos, aprendeu sobre os orixás e conheceu o pesquisador, fotógrafo, etnólogo, antropólogo e babalawo, Pierre Verger. Na década de 80, se tornou assistente de pesquisa e legendou mais de 11 mil fotogramas - cada uma das imagens de um rolo de filme, impressas quimicamente. >
Ao mesmo tempo, ela complementava a renda como cobradora de ônibus, no bairro de Mussurunga, em Salvador. Funções que cumpriu durante 20 anos. Mais tarde, passou a trabalhar no Espaço Cultural da Fundação Pierre Verger, como pesquisadora e contadora de histórias. >
Com a experiência adquirida ao longo dos anos no candomblé e ao lado de Verger, Vovó Cici se tornou referência em cultura afro religiosa e luta em prol da preservação do trabalho do pesquisador. Além disso, é co-autora do livro Cozinhando Histórias: Receitas, Histórias e Mitos de pratos afro-brasileiros. >
Já a contação de histórias, mesmo sendo mais antiga, iniciada na adolescência, quando ela passou a cuidar dos irmãos depois da escola, também recebeu boas contribuições na Bahia. Segundo Vovó, ela passou a usar os animais para driblar o preconceito ao falar da cultura afro-brasileira. “Celebro as pessoas amadas que me mostraram que as minhas histórias, do meu povo Iorubá, de candomblé e cultura afro tradicional são essenciais”, disse a Doutora Honoris. >
Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>