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Da Redação
Publicado em 9 de julho de 2009 às 18:01
- Atualizado há 2 anos
Os protestos violentos na Região Autônoma chinesa de Xinjiang, que já resultaram na morte de mais de 150 pessoas, têm raízes no histórico de conflito étnico e repressão da área. O território é onde moram 8,3 milhões de cidadãos da etnia muçulmana Uigur, uma das 56 que formam a colcha de retalhos da China. O grupo sonha com a independência e a formação de seu próprio Estado, o Turquestão do Leste. >
A separação tiraria 1,7 milhão de quilômetros quadrados das mãos do governo comunista de Pequim. A resposta vem com um pesado controle de população, prisões e preconceito alimentado pela etnia dominante no país, os Han.>
Manifestante enfrenta a polícia paramilitar chinesa em Xinjiang>
Com a eclosão dos protestos – que começaram como reação ao assassinato de migrantes uighures na província de Guangdong -, o cerco à circulação de informações aumentou. Redes sociais como Orkut e Facebook, o sistema de microblogs Twitter e o site de vídeos Youtube estão inacessíveis na internet chinesa. Sites de publicações estrangeiras também estão bloqueados. A extrema repressão tem seus motivos.>
A China, gigante de 9,6 milhões de quilômetros quadrados, tem cerca de um terço do território sob reivindicação de grupos separatistas. Além de Xinjiang, grupos da Mongólia Interior, do Tibete e de Taiwan exigem independência em relação a Pequim. Mas nem todos com as mesmas condições – ou as mesmas estratégias. O Tibete, área mais lembrada pela comunidade internacional quando o assunto é separatismo na China, não é o problema maior.>
Assim como a Região Autônoma da Mongólia Interior, que reivindica a anexação à Mongólia, a região dos uigures é uma briga bem mais espinhosa para o governo comunista chinês do que a questão tibetana. Em uma área de fronteira estrategicamente importantíssima e com o apoio de militantes estrangeiros e – veladamente – nações vizinhas, a independência da região muçulmana seria um enfraquecimento insustentável para Pequim.>
Apoio armado >
O tipo de apoio externo recebido pelos movimentos separatistas chineses também situa o perigo maior em Xinjiang. As atividades a favor do movimento separatista tibetano, por exemplo, são majoritariamente ideológicas. No Tibete, quando a polícia paramilitar chinesa invade um mosteiro, raramente apreende algo além de armas de fabricação caseira e panfletos contra o governo central. A capital da região, Lhasa, já é uma área dominada pela etnia Han e a resistência está pulverizada – bastando como exemplo o fato de o líder máximo dos tibetanos, o Dalai Lama, viver na Índia como exilado.>
Em Xinjiang, a colaboração é imensamente mais pesada. Armas e dinheiro vêm de grupos islâmicos altamente organizados e passam pelas fronteiras que a região faz com Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Afeganistão e Paquistão, diretamente para as mãos dos militantes.>
Forças do governo patrulham as ruas da capital de Xinjiang, Urumqi>
A repressão é proporcional à força dos separatistas da área. Durante os Jogos Olímpicos de 2008, para citar um exemplo recente, o governo central chinês divulgou a informação de que terroristas muçulmanos explodiram uma delegacia na capital de Xinjiang, Urumqi. Foi a deixa para a prisão de dezenas de militantes separatistas e um aumento significativo da vigilância.>
Poucos dias depois, dois jornalistas japoneses conseguiram entrar na cidade. Um repórter e um fotógrafo da agência Kyodo foram à delegacia e, segundo os relatos de ambos, não havia sinais de explosão. Mas eles só conseguiram contar a história após deixarem a detenção. A polícia de Xinjiang prendeu os jornalistas, os espancou e levou o cartão de memória da câmera do fotógrafo, segundo eles próprios contaram quando retornaram a Tóquio.>
Preconceito>
Para além das fronteiras da Região Autônoma de Xinjiang, os muçulmanos da etnia Uigur são alvos de uma das maiores cargas de preconceito da China. Em Pequim, vivem milhares de cidadãos do grupo étnico encarando a intolerância de boa parte da população de maioria esmagadora da etnia Han. >
Mulher que desmaiou durante confronto é carregada pelas ruas de Urumqi>
O preconceito vai além dos olhares tortos. O tratamento dado aos uigures é claramente de descaso pelas autoridades e a pobreza da maioria dos muçulmanos da etnia na capital salta aos olhos. Uma das frases correntes é: “Cuidado com as crianças deles. Os pais os ensinam a roubar as carteiras de todo mundo”. As palavras, normalmente, saem da boca de um cidadão Han.>
Para testar a teoria, faz bem frequentar os restaurantes da etnia na capital chinesa. Os locais são pobres e pouco atraentes, mas guardam uma das melhores culinárias de todo o país. Em diversas visitas a vários deles, nunca saí sem a carteira. Mas, para lembrar que nem todas as refeições foram tão tranqüilas quanto saborosas, fui roubado na saída de um destes restaurantes, sim. Por um taxista da etnia Han.>
*Felipe Corazza Barreto é jornalista e morou por um ano em Pequim>
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