'18 anos de angústia', diz mãe de Lucas Terra sobre júri popular de pastores

O TJ-BA informou que aguarda o retorno dos autos do STF para então marcar o júri popular

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 19 de setembro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

(Foto: Reprodução/TV Bahia) “Deus estava dando corda e eles foram ao extremo. Agora, não importa a pena, o importante é que o poder econômico deles não venceu. O júri fechará o ciclo de 18 anos de angústia”, declarou ao CORREIO Marion Terra, 60 anos, em relação à decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF)  que coloca no banco dos réus os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva da Igreja Universal do Reino Deus. O posicionamento final, dado nessa terça-feira (17), leva a júri popular os relgiosos pelo assassinato brutal do filho de Marion, o adolescente Lucas Terra, 14 anos, ocorrido em 2001. 

O garoto foi encontrado carbonizado em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama. Os exames comprovaram que o jovem foi abusado sexualmente e queimado vivo. Outro religioso, Silvio Roberto Galiza, foi preso e condenado a 18 anos em regime fechado por ter estuprado e assassinado Lucas. Em 2012, Galiza foi para o regime aberto.

Em novembro do ano passado, o ministro do STF Ricardo Lewandowsky havia anulado o processo contra os pastores por falta de provas. “Foi um dos maiores baques de Carlos (Terra), o que agravou a saúde dele. Mas a gente vê que o mal não vence o bem”, disse Marion, viúva de Carlos Terra, que ficou conhecido pela luta incessante para condenação dos acusados. Ele morreu em fevereiro deste ano após uma parada cardiorrespiratória.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão de Lewandowsky e, por quatro votos a um, a 2ª turma do STF decidiu que os pastores vão a júri. “Onde estiver, sei que Carlos está feliz, como eu, que a nossa luta não é em vão”, emendou Marion.

Votaram a favor do recurso do MPF os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Carmen Lúcia e Celso de Mello. Ricardo Lewandowsky foi o único voto divergente. “Foi quase unânime. Costumo dizer que sou uma mãe a passo de formiga lutando como um gigante. Me sinto de coração pleno. Essa vitória veio para sacramentar a culpabilidade deles no banco dos réus”, disse Marion. 

Data A decisão do STF vem para o 2º juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri. O Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA) informou nessa quarta-feira (18) ao CORREIO que aguarda “o retorno dos autos do STF” para então marcar a data do júri. Ainda ontem, o Ministério Público do Estado (MP-BA) divulgou noto sobre o assunto, dizendo que os pastores “serão julgados em júri popular, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”.  

Apesar da decisão do STF e das confirmações do TJ-BA e do MP-BA de que os acusados vão à júri popular, o advogado de defesa dos pastores, César Faria, disse que ainda cabe recurso. “A decisão cabe recurso porque não foi unânime – teve o voto divergente do relator (Lewandowsky)”, declarou Faria.

Segundo ele, o acórdão (decisão do órgão colegiado de um tribunal) precisa ser publicado para que a defesa analise a possibilidade do recurso e qual recurso para interpor.  Após a publicação do acórdão, a defesa tem no máximo 15 dias para recorrer da decisão. “Toda decisão cabe recurso. O embargo de declaração, por exemplo, é um tipo de recurso. É um pedido de esclarecimento da decisão, uma análise dos pontos da decisão”, declarou Faria.

Para o advogado, a declaração de Silvio Galiza de que o crime teria sido motivado em razão de Lucas Terra ter flagrado um ato sexual entre Fernando e Joel é “completamente infundada”. Ainda para César Faria, Fernando e Joel são inocentes e foram incluídos injustamente no processo que apura a morte do garoto.

Quanto à possiblidade de um recurso, o CORREIO conversou com a advogada da família de Lucas Terra, Tuany Sande Cardoso. “Essa é uma decisão final, mas, como advogado, ele (Faria) pode recorrer. Resta saber se o recurso será infundado ou não. No caso de um embargo de declaração, tem que pontuar se a decisão foi obscura, se não foi clara, se faltaram alguns requisitos na decisão penal. O acórdão está totalmente claro em conformidade com o estabelecido no código do processo penal”, rebateu Tuany.

Marion também comentou em relação a um possível recurso.“Agora, nada vai impedir a marcação do júri. Vai ser uma cobrança dos nossos advogados para marcação da data. Dezoito anos é muito tempo para uma família aguardar um julgamento”, finalizou Marion. Em fevereiro deste ano, os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza permaneciam atuando em cargos religiosos na Bahia.  O advogado de defesa da dupla, César Faria, preferiu não dar detalhes sobre a localização dos religiosos, para segurança dos seus clientes, mas confirmou que os dois continuam no exercício dos cargos.  Perguntado nessa quarta-feira (18) se eles continuam nos cargos, Faria não respondeu.

Procurada, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou que “está convencida de que, ao final, a Justiça prevalecerá, e a inocência deles [Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva] será comprovada”.

Relembre o caso Lucas Vargas Terra tinha 14 anos quando foi abusado sexualmente e queimado ainda vivo no Rio Vermelho, na noite de 21 de março de 2001. O garoto havia saído de casa para um culto religioso realizado pelo bispo Silvio Roberto Galiza quando desapareceu.

Os restos de Lucas foram encontrados dentro de um caixote na Avenida Vasco da Gama e ficaram 43 dias no Instituto Médico Legal enquanto aguardavam a realização de exames de DNA.