40 anos: saiba como o Camaleão se tornou um dos principais blocos do Carnaval

Antes de Bell Marques, Luiz Caldas e Sarajane embalaram os foliões

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 22 de janeiro de 2018 às 07:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Imagine a cena: em 1978, um grupo de amigos observava o Carnaval, na Praça da Piedade. Não seguiam nenhum bloco, apenas curtiam ali. Dessa roda de amigos, com o clima festivo em volta, veio a ideia: e se criassem o próprio bloco? Começaram as reuniões e, no ano seguinte, o bloco estava na rua. Hoje, o que começou de maneira informal se transformou em um dos maiores blocos do Carnaval de Salvador: o Camaleão, que completa 40 anos em 2018. 

O slogan do primeiro ano era justamente: ‘quem sai no Camaleão é amigo de um amigo seu – pelo menos’. De acordo com o diretor do bloco, Joaquim Nery, era a ideia de corrente. “Sempre foi um bloco feito para a cidade. Talvez seja esse um dos motivos para o sucesso dele”, arrisca Nery, que, na época, tinha 20 anos de idade. 

Hoje, continuam os quatro sócios da época: além de Joaquim, seus irmãos Marcelo e Adolfo, além de Geraldo Albuquerque. Mas, aquele primeiro ano foi de planejamento estratégico: o grupo se reunia em barracas de praia e começava a listar tópicos importantes. O nome Camaleão é atribuído ao artista Bel Borba, que foi o responsável por toda a identidade visual do bloco nos cinco anos iniciais. “Provavelmente veio num momento de piadas. Seguramente surgiu num trocadilho, numa coisa de época”.  Os primeiros anos do Camaleão ainda tinham a mortalha (Foto: Divulgação) Borba tinha amigos em comum com o grupo de fundadores e foi chamado para participar. “A gente fazia o trio, o carnê, a marca, a mortalha, tudo numa época em que ainda nem se falava em Photoshop, Corel Draw. Praticamente não existia a computação gráfica que temos hoje. Tudo era feito de maneira física, no pincel, bico de pena. Foi uma experiência muito rica e especial”. 

Nova fase No segundo semestre de 1978, os amigos começaram a tentar vender o bloco para o ano seguinte. Sem Facebook ou Instagram, criaram aquilo que deve ter sido um antepassado dos atuais digital influencers: os comissários. Eram pessoas que serviriam como divulgadores do bloco. 

“No primeiro ano, tínhamos 200 comissários. Conseguimos mil (no bloco), o que, para a época, era robusto”, conta Joaquim Nery. O primeiro desfile foi com o trio Maragós, de Maragojipe, e a banda do próprio trio. Naquela época, era comum contratar um trio assim. Dessa forma, o Camaleão saiu na Avenida já de domingo a terça-feira. 

“O bloco foi um sucesso. A grande queixa que as pessoas tinham era justamente o trio, que não era de qualidade. Procuramos reverter isso e, no ano seguinte, fomos atrás do melhor trio do Carnaval. Descobrimos que era da cidade de São Felipe. Quando acabou o Carnaval, já contratamos. O empresário até se assustou, mas queríamos garantir”, lembra Nery. 

Só que a concorrência veio forte. O bloco Traz Os Montes, um rival, na época, veio com um trio transistorizado. “Era uma tecnologia nova, um trio muito melhor que todos. Quando terminou o Carnaval de 80, a gente decidiu que tinha que partir para essa tecnologia. Em 81, fomos construir nosso próprio trio. Houve o trio elétrico do Camaleão e montamos a banda Salamandra”. 

Pela Salamandra, passaram nomes como a jovem Sarajane e Carlinhos Brown. Durou quatro anos, até que, em 1985, decidiram contratar Luiz Caldas, que despontava como ícone do axé music. Luiz ficou no Camaleão até 1989. No ano seguinte, 1990, o bloco contratou o Chiclete – cuja parceria, agora somente com Bell Marques, dura até hoje.  O Chiclete começou a puxar o bloco em 1990 (Foto: Divulgação) “O Chiclete era a maior banda que havia no Carnaval e a gente achava que, como principal bloco, o Camaleão tinha que trazê-los. Mesmo depois da separação, continuamos com Bell (o cantor deixou a banda em 2014). Ele é um artista maravilhoso, que veste muito a camisa do bloco e é o principal responsável pela performance do bloco”.

Sem pretensão O próprio Bell conta que, na época, o convite veio de fora despretensiosa. Embora o Chiclete já viesse dando mostras de que teria uma grande carreira, o cantor conta que nenhuma das partes imaginava que chegariam, juntos, aos 40 anos do bloco. 

“Foram muitas experiências e muito aprendizado. O Camaleão teve grande importância na minha formação como artista e como puxador de trio. Sou muito grato pelo convite lá atrás, que nos trouxe aqui hoje, sem qualquer pretensão dessa dimensão”.  Bell conta que o convite para puxar o Camaleão surgiu de forma despretensiosa (Foto: Divulgação) Para ele, o Camaleão é mesmo diferente. Bell acredita que existe uma força única – uma espécie de combinação de amor pelo artista e pelo bloco. “Quem sai no Camaleão, dentro ou fora das cordas, sente isso, essa energia única, esse carinho que o folião foi nutrindo pela marca”. 

Amor no trio É tão diferente que até o amor dos foliões é diferente. O engenheiro químico e empresário paulista Fábio Zalaquett, 54 anos, foi o primeiro a se casar em cima do trio do Camaleão. Há 27 anos saindo no bloco, ele conta que, hoje, a família inteira desfila junto. 

“Eu morava no exterior e meus amigos descobriram Salvador na época que carro de apoio era um caminhão aberto, na época da mortalha. Voltei para o Brasil e fui com uma turma de uns 100 moleques. Lembro direitinho que estava no Farol da Barra e, quando deu o primeiro acorde da guitarra, eu quase desmaiei. Aí, ferrou”, brinca.  Fábio, que há 27 anos sai no Camaleão, casou em cima do trio (Foto: Divulgação) Encontrou a esposa em 1999. Na verdade, os dois já se conheciam em São Paulo, mas tinham perdido contato. Se viram, primeiro, em Salvador, no mesmo hotel. Depois, já no bloco, ela veio apresentar uma amiga que estava interessada em Fábio. “Eu falei: ‘não quero ficar com sua amiga, quero ficar com você’. Eu disse que ia casar com ela. Eu disse: ‘nós vamos casar em cima do trio”. Um ano depois, estavam mesmo casando em cima do trio. O próprio Bell celebrou a união diante de milhares de pessoas. 

Desde então, ele sai todo ano, sem falta. Criou uma relação de amizade e de carinho com a diretoria do bloco. “Eles fizeram parte de metade da minha vida. Daqui para frente, vão fazer de mais da metade”.