470 anos da primeira diáspora

Nelson Cadena é publicitário e jornalista

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  • Nelson Cadena

Publicado em 29 de março de 2019 às 05:00

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A primeira diáspora dos habitantes da Terra ocorreu na última semana de abril de 1549; então, Diogo Alvarez-Caramuru, ausente de sua residência alguns dias para prospecção e inspeção do terreno onde seria construída a cidade-fortaleza, informou a Tomé de Souza a conveniência de se erigir a capital do Brasil em área triangular no cume da montanha: local hoje compreendido entre os limites das praças Municipal e Castro Alves.

Providências foram tomadas logo em seguida. Nos Anais do I Congresso Brasileiro de História da Bahia, publicado em 1950, Alberto Silva assim descreveu a nossa primeira diáspora: “Tomé de Souza....reúne depois os seus homens de armas, seus espingardeiros e seus besteiros, munidos de espingardas, garruchas e virotões, mandando-os ao local designado para a futura cidade a fim de desalojarem de suas aldeias os índios Tupinambás que a ocupavam. A providência estendeu-se às tabas circunvizinhas porque dezenas de índios foram expulsos dos domínios de Gupeva e de Japi-Assu, nos pontos hoje correspondentes ao Terreiro de Jesus, ao Largo do Carmo e Largo do Desterro”.

A segunda diáspora da cidade ocorreu por força da invasão holandesa, em 9 e 10 de maio de 1624, milhares de baianos abandonaram suas residências e postos de trabalho, sem olhar para trás. Quando os batavos chegaram em frente às portas da cidade, em São Bento, a soldadesca já se embrenhara pelos matos em retirada; o bispo, cônegos e servos refugiaram-se no campo; moradores da cidade e seus escravos fugiram pelas Portas do Carmo e da Baixa dos Sapateiros, mato adentro, rumo a Itapuã, passando pelo Rio Vermelho. Quem pode embarcou à noite para as cidades do Recôncavo.

A terceira diáspora se deu em circunstâncias de festas e celebrações. Não para todos. Atingiu os moradores abastados da cidade e outros nem tanto, mas, de boas posses, hoje denominaríamos de classe média alta. Ocorreu em janeiro de 1808, os procedimentos assim descritos, no seu diário de viagem, pelo oficial holandês Maurice Ver Huell, cujo barco fora retido por uma embarcação inglesa da custódia de Dom João VI: “É fácil imaginar a animação e agitação que a presença da Família Real inteira produziu em São Salvador. Contudo muitos dos mais importantes moradores da cidade logo perceberam que tamanha honra era mais penosa do que propriamente agradável”.

“O nosso amigo, Professor Ferreira, dentre tantos outros, recém-chegado à cidade de sua casa de campo em Mont Serrat, foi logo obrigado a migrar para lá outra vez. Acontece que para alojar na cidade o séquito do príncipe regente, o governador resolveu selecionar de forma arbitrária algumas de suas melhores casas. A espaçosa casa do Professor Ferreira, junto com inúmeras outras foi marcada por um funcionário com as letras E. R (El Rey) ... Duas letras pintadas na porta eram, por tanto, uma ordem Real para evacuar sem demora”.

A quarta diáspora foi lenta e gradual, durante a Guerra da Independência, se deu entre o segundo semestre de 1822, até maio de 1823, quando se acentuou, em função do desabastecimento da cidade - não havia farinha e nem carne e faltavam frutas e legumes - e obrigou milhares de moradores a migrar para a Ilha de Itaparica e cidades do Recôncavo. Ali se instalara o governo provisório e o comando das forças que em 2 de julho desfilariam triunfantes, em clima de festa e de salvas, enquanto as velas da esquadra do General Madeira perdiam-se de vista, empreendendo retirada.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras