A adolescência é uma bagunça alegre

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  • Kátia Borges

Publicado em 23 de março de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Lembro de quando me tranquei no quarto, apaguei a luz e cortei os cabelos bem curtinhos no escuro. Quando penso naquela época é com um espanto curioso. Eu estava sempre furiosa com alguma coisa, esperando que a vida fosse começar de repente num estalo. Um sinal sonoro como no teatro, as tais “pancadas de Molière”, anunciaria a entrada de algum asteroide na atmosfera terrestre.

Todos os anos esperávamos o meteoro, e nem estranho hoje. Os meninos do surfe se juntavam aos domingos para escutar o programa de rock apresentado por um cara chamado Marcelo Nova numa rádio FM. Por ali chegavam as novidades musicais de Londres. Nem existia ainda a Camisa de Vênus. Cada adulto que cruzava nosso caminho parecia inalcançável, e eu vivia fascinada com a altura das mulheres.

As amigas de minha irmã mais velha pisavam nas nuvens. Viviam maquiadas, elegantes como se fossem atrizes de cinema. Falavam sobre os rapazes com quem trocavam números de telefone aos domingos, em dias ensolarados na Praia da Terceira Ponte. Todos os seus romances, embora fugazes, soavam eternos. E elas dançavam nas festas as coreografias de Os Embalos de Sábado à Noite.

De vez em quando eu captava no ar algum mistério grave, pescado em seus diálogos criptografados. Um dia também seria alta como elas, eu pensava, dando de ombros. Porque aquilo se parecia com uma espécie de seita ou clube. A senha de acesso talvez fosse ter os lábios pintados, manter unhas e cabelos impecáveis, não errar jamais um dos passos de Stayin Alive. Tudo ali tão perto parecia longe.

As amigas de minha irmã mais velha flutuavam no espaço, eram astronautas com roupas brilhantes, presas por cordões de oxigênio às naves modernas. Tenho certeza de que pisaram a Lua antes de Armstrong. Apenas guardaram segredo entre elas. Bem antes de Armstrong, as mulheres altas da minha infância dançaram com John Travolta nas montanhas lunares, improvisando pistas de discoteca numa réplica da Apolo 11.

Sim, tenho certeza de que foram elas. Aquelas meninas de Hollywood que nada entendiam de química, física ou da geografia de Marte. Mas como se pode inventar assim um tal perfume? Vinha pelo ar direto da sonda Phoenix, instaurar na minha adolescência algo improvável como a existência de oceanos extraterrestres. E calotas polares em degelo permanente em algum ponto distante do Universo.

A vida começaria no tempo certo, embora eu não imaginasse e, atenta, tentasse antever os três movimentos, os gritos vindos dos bastidores, as tais “pancadas de Molière”. A vida começaria e me traria amigos com peitos pesados de fichas de telefone. E amores. Ligações com algum planeta longínquo, decerto. Satélites dançando no alto do céu ao som de There is a Light That Never Goes Out.