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A Bahia nos trilhos – o que tem futuro?

  • D
  • Da Redação

Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 21:24

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Caetano Veloso cunhou uma frase faz trinta anos: ‘alguma coisa está fora da ordem... fora da nova ordem mundial...’ O Brasil vivia momentos  tensos como  os de hoje e a frase segue provocativa.  Onde estamos agora e para onde estamos indo?  Como a Bahia é imensa e requer de nós régua e compasso, parafraseando Gil, na sua clássica música ‘Aquele Abraço’, cabe olhar para os trilhos que estamos construindo nos dias atuais. Eles nos levam para o futuro? Dúvidas se escondem nas expectativas, expostas no ar como cortina de fumaça.  Uma pergunta simples: É nos trilhos das minas de ferro que está o nosso futuro?

O noticiário declara que a Ferrovia Oeste Leste, desde Figueirópolis-TO  até Caetité, no alto sertão, e depois  Ilhéus, no Sul da Bahia, trará o tão sonhado desenvolvimento para os baianos e para o Brasil, pois terá no Porto Sul a porta de nossos mais importantes produtos do futuro – leia-se, o minério de ferro.  Investimentos bilionários, eventualmente chineses e do Cazaquistão, aterrarão em solo baiano, abrindo fronteiras dos recursos minerários  – estima-se para a FIOL R$ 9 bilhões, no trecho entre Caetité e Ilhéus, e R$ 2,5 bilhões para o Terminal Portuário Privativo da Bahia Mineração- BAMIN, com cargas estimadas até ontem de 60 milhões de toneladas por ano.  De Caetité,  a BAMIN projeta 18 milhões de toneladas - e o restante viria de outras jazidas minerárias em estudo, tanto no norte de Minas como no alto sertão baiano, somado à soja dos cerrados.  Desde 2007 o governo da Bahia aposta suas fichas nestes projetos, atraindo crescente simpatia da imprensa e dos articulistas, dos políticos de esquerda, centro  e de direita, mas omite informações cruciais. 

Como este projeto é portador de ufanismo crescente, cabe a nós fazermos  perguntas elementares.  É a Bahia Mineração, ou melhor, a cazaquistanesa Eurasian Resources Group- ERG, uma corporação séria, que mereça uma Parceria Público Privada tão ambiciosa em solo baiano? Não custa citar o londrino The Guardian, que  revelou que esta empresa, na época denominada ENRC,  deixou a bolsa de valores de Londres em 2013 após auditoria externa evidenciar  fraudes na Republica do Congo ( The Guardian, 25 de abril 2013). Outras histórias ruidosas estão presentes no Wikipédia da ex- ENRC e agora ERG, com farta bibliografia. 

A ERG abriu no norte de Minas uma outra frente minerária- a MIBA, ou Minas Bahia, ou Sul América de Metais, para operar jazida de Ferro em Grão Mogol e transportar por minerioduto até Ilhéus, outros milhões de toneladas – assim chega-se aos esperados 60 milhões anunciados para justificar o próximo leilão da FIOL, sob inspeção do Tribunal de Contas da União - TCU.  O geólogo baiano João Cavalcanti, proprietário da Companhia Vale do Paramirim -CVP, espera responder por outra carga, mas foi o mesmo empresário que fundou a Bahia Mineração e A Minas Bahia Mineração, vendendo-as para a ENRC ou ERG. Segundo O Correio, em 18 de dezembro de 2019, essa empresa baiana, submeteria ‘ a leilão internacional as jazidas encontradas naquela que já está sendo chamada de Província Mineral do Vale do Paramirim, considerada uma nova fronteira da mineração do Brasil. O projeto reúne oito blocos que abrange oito distritos minerais localizadas em uma faixa de 45 mil quilômetros quadrados do semiárido baiano, na região centro-sudoeste do estado. Algumas minas já eram conhecidas desde 1938. Muitas já tinham sido exploradas no passado e tinham sido abandonadas. Mas nos últimos anos começaram a ser analisadas, de forma integrada, por equipes especializadas em geologia que utilizaram novas tecnologias. Os levantamentos iniciais de prospecção mostraram que as reservas são ricas em diversos minérios, como ferro, ouro, lítio, cobre, manganês, grafita, fosfato e terras raras’. Segundo O Correio, os leilões foram confirmados pelo empresário João Carlos Cavalcanti, presidente da Companhia Vale do Paramirim’. 

Desde então, não se falou mais sobre isso. Noticias sobre essa empresa CVP  estão em blogs e sites como o Noticias de Mineração Brasil, também com ufanismo e grandes expectativas. Em uma dessas notas, em novembro de 2020, anunciou-se que a FIOL terá cargas de 77 milhões de toneladas, com base em três projetos minerários de ferro, sendo dois na Bahia e um de Minas Gerais – todos, coincidência,  concebidos por João Cavalcanti. Os números são acrescidos com base em projetos reais ou são motivados ainda por sonhos, para assediar decisões que deveriam ser técnicas e pelos princípios da probidade e interesse público?

A viabilidade econômica e ambiental destes projetos é discutível, pois são jazidas com teor de ferro baixo, em sua maioria, que dependem de muita  água no beneficiamento e enormes barragens de rejeitos – muito superiores às famosas barragens da Vale e da Samarco, em Mariana e Brumadinho, MG. Cidades como Guanambi podem sofrer seriamente com esse modelo de barragem, pois os rejeitos, em grande volume e alto custo para beneficiamento, requerem água escassa que provê comunidades rurais e vilas da Serra do Espinhaço. Os riscos de desabamento dessas barragens coloca em cheque a mineração de ferro de baixo teor. Os valores do minério de ferro são outro fator de risco e especulações. Quando altos, justificam estas minas, mas quando voltam aos preços históricos, perto de U$ 45-60 a tonelada, deixariam esta atividade sem sentido.

A soja, citada como uma das cargas relevantes para a FIOL e Porto Sul, tem outro destino na Bahia – o Porto de Cotegipe, na Baía de Aratu. A ferrovia Centro Atlântica, que corta Brumado, pode atender a esta carga, se a FCA estiver integrada à FIOL neste município. Portanto, o que resta ao Porto Sul de relevante, desde quando foi anunciado em 2007, são as cargas de minério de ferro de Caetité, e agora, o anúncio de Paramirim, mesmo que em fase ainda de pesquisa mineral. Eventualmente urânio, com alto teor de radioatividade, pode ser transportado pela FIOL. A mina de Grão Mogol foi questionada pelo IBAMA em 2019  - e em 20 de janeiro de 2020 foi negada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Neste caso, um minerioduto traria o ferro para o Porto da Bamin, junto com a água escassa daquela região. A Barragem de Rejeitos desta mina, estimada em 845 milhões de metros cúbicos, é colossal se comparada com a barragem de Brumadinho, com 12 milhões de metros cúbicos, aquela que rompeu em 2019.

Considerações e recomendações do TCU – o leilão anunciado pelo ministro Tarcisio Freitas neste jornal em longa entrevista, prevendo-o para novembro desse ano, requereu análise criteriosa do TCU, pois os termos de uma eventual licitação podem expor conflitos de interesses e favorecimento de empresas. Afinal, o principal beneficiário da futura concessão da FIOL seria a mesma empresa que quer construir o terminal privativo – único até agora no Porto Sul, maculando um processo de concorrência pública. Em artigo da Agência Estado de 25 de novembro, com base em nota técnica no portal do TCU, o órgão descreve os riscos com semântica técnica, mas o bom entendedor sabe que ali está uma precaução – evitar o descumprimento de leis que regem licitações no Brasil.

No fim, temos três jazidas de alto risco – Caetité-Guanambi, Grão Mogol e Paramirim, todas as três concebidas por João Cavalcanti, as duas primeiras vendidas por ele desde quando, em 2007, foram anunciados os projetos de FIOL e Porto Sul, e a terceira, quem sabe? 

Quando vemos o futuro da Bahia, tentando assumir posto de terceiro produtor de minério de ferro do Brasil, atrás do Pará e de Minas Gerais, com minas de risco, em um contexto de incentivos fiscais para a exportação de matérias primas, com base na Lei Kandir, vê-se que royalties de mineração suprem apenas parte dos prejuízos para a sociedade, o meio ambiente e a economia de regiões inteiras – desde a Chapada Diamantina ao Sul da Bahia.

Em Ilhéus, a Àrea de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada, inserida na Costa do Cacau, é prejudicada com suas economias de turismo, pesca, cacau e chocolate. O distrito Industrial de Ilhéus abriga empresas como Cargill, Barry Calebault e Delfi, que produzem manteiga de cacau e pasta de chocolate. A água usada por essas empresas vem do Rio Iguape, ao lado do pretendido pátio de minério de ferro da Bahia Mineração e também da Sul América de Metais, a sete quilômetros de distância. Milhares de pescadores dependem de pesqueiros que serão suspensos pela atividade portuária do Terminal Privativo. A Rodovia Ilhéus Itacaré, construída em 1998 com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e governo da Bahia, foi concebida para ser uma estrada turística ligando áreas protegidas que incluem o Parque Estadual da Serra do Conduru, um hotspot de biodiversidade mundial. 500 mil turistas visitam esta costa anualmente, segundo a Bahiatursa, injetando centenas de milhões de reais com dez  mil empregos diretos e 50  mil empregos indiretos, em cinco municípios. O Porto Sul, no entanto, prevê até 400 empregos diretos quando em operação e três vezes de empregos indiretos.

A Bahia precisa multiplicar a sua infraestrutura, obviamente, para construir um futuro próspero e sustentável. Saneamento básico, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos são peças deste quebra cabeças, presentes em qualquer região desenvolvida. Mas, edificar projetos que corroem recursos ambientais e econômicos tão relevantes para a sociedade baiana, beneficiando corporações como a ERG e a Companhia Vale do Paramirim com seus investimentos minerários precários, é algo a se pensar.

A Bahia é famosa pelo seu vasto território e litoral, pescadores, saveiros e seus pratos únicos, como o acarajé. Os sertões contém a Chapada Diamantina e os Cerrados, o Rio São Francisco e comunidades rurais que produzem alho, cebola, manga, uva e vinho, azeites, banana e até morangos orgânicos. O recôncavo é um território cultural pulsante com a Baia de todos os Santos e suas incríveis ilhas, até Boipeba, ao sul. Do oeste ao leste, a Bahia tem muitos trilhos, muito mais ricos e sustentáveis para alimentar o seu futuro. Afinal, investir no futuro da Bahia real sempre será o melhor negócio para os baianos.

*Rui Barbosa da Rocha é professor de Geografia Regional na UESC, cofundador do Instituto Floresta Viva e membro do movimento Sul da Bahia Viva – grupo que promove o futuro sustentável dessa região.

Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores