A bela Celeste vence o escrete 'canalhinho'

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  • Paulo Leandro

Publicado em 16 de junho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Faz 30 anos que cobri a Copa América em Salvador pelo jornal O Estado de S. Paulo. Foi meu teste para ver se poderia ser contratado pela sucursal chefiada por Carlos Navarro Filho. Peço esta pausa para nostalgia pois não sei se chego a 2049.

O oxigênio da redemocratização arejava a República em 1989. As redações de jornal eram coabitadas pelas fontes de informação, empoderadas na forma do discurso. Os torturadores foram barrados e se esconderam.

Graças à Copa América, fui convocado para a seleção com Pedro Formigli e Biaggio Talento, um Sócrates e um Zico, de quem ‘roubartilhei’ técnicas de boa escrita e a condução digna ao cumprir uma pauta.

O convívio com o repórter fotográfico Agliberto Lima, o teletipista Josivaldo, dona Chica... complementou a formação inspirada em Othon Jambeiro, na Escola de Biblioteconomia e Comunicação da Ufba.

Da Copa América, lembro da torcida enlouquecida pela desconvocação de Charles. O Bahia era campeão e a desfeita foi dentro de nossa casa, a kirimurê onde os tupinambá enfrentaram Mem de Sá, e negroafricanos emboscaram moros e dalanhóis das antigas.

Na Fonte Nova, vi a bandeira do Brasil queimada e a torcida vaiando o hino. Dos colombianos, guardei a alegria de um pênalti cobrado pelo goleiro Higuita, com o colega no canto e a criança no outro.

Os peruanos estavam enlutados pela ausência de titulares mortos num acidente aéreo com o Alianza de Lima. Pepe, ponta eterno do Santos, era o treinador e os levou para uma missa no Bonfim. O repórter, lá, colado: um olho no padre, outro nos peruanos.

Sem net, nem celular, mas dono de um super-bloquinho de papel e uma caneta: restaram matérias batidas (era assim que dizíamos) em laudas na máquina de escrever. Procuro fazer com os filhos de ofício o que o Estadão F.C. fez comigo: dar o passe na medida.

Seguirei nesta Copa América a busca por vestígios de arte e sinais de beleza, como aprendi. Algo inspirado no diálogo de Hípias e Sócrates: foi Platão quem fundou, no Hípias Maior, o debate sobre a beleza. Um gol de Cavani pode ser belo?

Cavani, num viés pragmático-poético (obrigado, prof. Crisóstomo), antes vê o goleiro num relance. Da potência ao ato, roça o pé de leve, fora do alcance do "quíper". A trave é imensa: não chuta forte, nem baixa a cabeça. O belo é o chute suave: a música do chuá.

Celeste, a nona musa filha de Zeus e Mnemosýne, é homenageada na cor da seleção uruguaia, que tem o condão de formar não só bons jogadores, mas grandes homens, no sentido do coração e da integridade.

Foi o próprio Cavani que chorou uma cachoeira, ao receber a bela mensagem de um amigo, durante uma entrevista, que precisou ser interrompida. O belo é o suave e o sensível, o amoroso, o coração aberto para uma mensagem afetuosa.

O contrário do belo seria o feio: assim como há 30 anos, a CBF mantém o velho perfil de escrete canalhinho. Símbolo usurpado, a camisa amarela é um patrimônio nacional hackeado.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.