A décima quinta letra do alfabeto grego

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  • Kátia Borges

Publicado em 4 de dezembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Só a perspectiva de uma boa viagem, dessas de visitar livrarias exóticas, tipo a Pilgrims Book House, em Katmandu, conseguiria me animar um pouco, diante da possibilidade de nunca mais sair de casa. Pelo menos não como no poema de Mário Quintana, ganhando as ruas como quem foge, o peito aberto ao desconhecido.

Em cada esquina, uma festa de largo. Um enigma que insinua: “Já temos um passado, meu amor”. Em cada canto de Salvador, um atalho para alcançar Katmandu. Um gato amarelo pousado em um muro chapiscado de rosa. Um cão de rua tranquilo, sentado sobre as patas. Uma ave no solo, olhos no alto, pausa do voo.

Só a possibilidade de voltar à Acqua Alta me faz sorrir de novo, enquanto assisto ao noticiário na TV. Por alguns segundos, esqueço até a fome do meu povo e todas as dores do mundo e me vejo a percorrer de olhos fechados as vielas de Veneza, pedindo informações a um e a outro, num italiano macarrônico.

Se pareço triste, de vez em quando, é por achar que perdemos as chaves em algum ponto. E, quando estávamos quase a encontrar, perdemos as chaves de novo. Vai se tornando cada vez mais real, ou surreal, a ideia de uma vida totalmente isolada. Nem tanto pela Ômicron, a tal variante de preocupação.

Muito mais por algo que se desenvolve dentro de nós ao longo dos últimos dois anos. Espécie de solidão essencial, compartilhada por quem vivenciou a pandemia em suas diversas ondas. É como não falar a mesma língua, afasia traumática, tipo a que Benjamin aborda em Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.

Sabia que na Ilha Andamão, na Índia, habitam os seres humanos mais isolados do mundo? Sim, eles se chamam Sentinelenses. Ou, melhor, é assim que nós os chamamos. Desconhecemos, há mais de cinquenta mil anos, se existe algum nome em comum que eles usem para definir o mundo em que vivem.

Kátia Borges é escritora e jornalista.