A demora no positivo: entenda o que está por trás de tantos falsos negativos entre infectados pela covid-19

Sem mudanças nos testes, situação pode ter a ver com vacinação ou ao comportamento da variante; entenda quando sair do isolamento

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  • Thais Borges

Publicado em 10 de julho de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Depois de passar o feriado de São João em Petrolina (PE), a aposentada Cristina Carneiro, 60 anos, retornou à zona rural de Mairi, no Centro-Norte baiano, onde mora, com a família. Na segunda-feira seguinte, o filho começou a se sentir mal. Era uma moleza no corpo que pensou até ser do cansaço da viagem. Como iria a São Paulo para um congresso, achou melhor fazer o teste: deu positivo para covid-19. 

No dia seguinte, o neto de um ano e dez meses veio com os sintomas. Em casa, ela e a nora já estavam usando máscara, enquanto esperavam o resultado do exame do bebê. Na quinta-feira, as duas fizeram um teste de antígeno na farmácia. O da nora deu positivo. O de Cristina, apesar da ardência na garganta e de um pouco de congestão nasal, foi negativo.“Para mim, foi uma surpresa porque todos eles já estavam com sintomas. Dois já estavam positivos”, conta ela, que tomou as quatro doses da vacina contra a covid-19.Dali para a frente, porém, os sintomas pioraram: mais congestão nasal, uma tosse constante e cansaço no corpo. No sábado, ela fez uma consulta por telemedicina e a médica pediu um novo exame. Tentou fazer um do tipo RT-PCR, mas, por ser fim de semana, o resultado demoraria mais. Acabou fazendo outro teste de antígeno no laboratório. Dessa vez, veio o positivo. 

“Nesses dias todos, hoje é o que estou me sentindo melhor, porque a gente fica prostrada, sem ânimo para nada”, contou, no dia que conversou com a reportagem, na última terça-feira (5). “Não sei se por a gente estar vacinada, acaba baixando um pouco a guarda. Tem muita gente com sintomas leves que não fez teste, não falou nada e saiu por aí. Agora, alastrou mesmo”, diz. 

O número de casos ativos de covid-19 só aumentou, nas últimas semanas, na Bahia. Na manhã desta sexta-feira (8), já eram 19,5 mil. Só para dar uma ideia, quando o governo do estado suspendeu a obrigatoriedade do uso de máscaras, em abril, os ativos estavam abaixo de mil. 

Mas, nessa nova onda, relatos como o de Cristina têm sido cada vez mais comuns: gente com sintoma que faz o teste e dá negativo, mas, dias depois, vem o positivo. Só que o que está por trás disso tem menos a ver com alguma mudança na confiabilidade dos testes e mais a ver com a vacinação ou o contato prévio com o Sars-cov-2, além do próprio comportamento do vírus. "Nesse contexto de uma variante mais agressiva do que a anterior, que consegue escapar do esquema vacinal, a recomendação é que se mantenham todos os cuidados. A pessoa deve entender que existe mais probabilidade de ser Sars-cov-2 (do que outros vírus)", diz o biólogo Ricardo Khouri, professor da Faculdade de Medicina da Ufba e pesquisador da Rede Genômica da Fiocruz. Carga viral Uma das principais razões para o atraso nos positivos está relacionada tanto à vacinação quanto às infecções prévias, que preparam uma resposta imune ao vírus. Segundo a pesquisadora Beatriz Klimeck, divulgadora científica e doutoranda em Saúde Coletiva, o corpo começa a combater o vírus mais cedo, produzindo os sintomas. 

A consequência disso é que os sintomas vêm antes do pico de carga viral da infecção. Só que a carga viral baixa não é suficiente para aparecer no teste de antígeno - esse aumento só acontece dias depois. "É importante ter médicos que entendam essas atualizações nas diretrizes em relação ao vírus porque um teste, isoladamente, não exclui a possibilidade de ter covid", explica ela. 

Por isso, alguns profissionais de saúde já recomendam que o teste de antígeno seja feito no quarto ou quinto dia de sintoma - ou seja, um pouco depois do que era recomendado antes. Além disso, como a pesquisadora reforça, casos como o de dona Cristina, que viu pessoas da família testarem positivo devem ficar atentos porque, ainda que seu resultado tenha sido negativo, provavelmente é um falso negativo."A clínica é soberana. A gente consegue entender, a partir dos sintomas clínicos do convívio, que aquilo ali com certeza é covid, mesmo que não saia nos testes por alguma razão", diz. Isso significa que a orientação de que é possível sair do isolamento no sétimo dia de sintoma, que se popularizou no surto do início deste ano, talvez não seja a mais adequada. O ideal é fazer um teste de antígeno para sair do isolamento se ele for negativo. "Como os sintomas aparecem antes, então o pico está acontecendo às vezes no dia 6 ou 7. É quando você vai ter um teste bem positivo, uma pessoa com bastante carga viral".

Para ela, o ideal era voltar a pelo menos 10 dias de isolamento, mas os 14 dias que se popularizaram no início da pandemia não foram uma escolha ruim. "Eu, por exemplo, só testei negativo no meu 12º dia de sintoma. A decisão de mudar para sete ou cinco dias é um erro, é muito mais pensando no lucro e na retomada dos postos de trabalho do que na saúde pública", enfatiza. 

Isolamento O infectologista Antônio Bandeira, professor de Medicina da UniFTC, também reforça que há mais segurança quando o isolamento é de dez dias. Segundo ele, trabalhos científicos já vinham mostrando que um percentual significativo dos infectados, algo em torno de 40%, ainda tem carga viral alta no sétimo dia. "Se você fizer um teste de antígeno no sétimo dia e der negativo, a chance de transmitir é baixa. Mas se não fizer nenhum teste, o mais seguro seriam os dez dias".O teste da saída precisa ser o de antígeno porque o RT-PCR, considerado padrão ouro, pode ter um resultado positivo mesmo depois que a pessoa já não está transmitindo o vírus. Saber qual tipo de teste fazer em cada momento da doença é importante.

"No PCR, frequentemente você consegue amplificar uma quantidade pequena e, por isso, acaba tendo uma positividade melhor. Tanto que o PCR a gente recomenda que se faça já no primeiro dia de sintomas, mas o teste comercial de antígeno vai dizer se tem uma parte daquele material que dá positivo", explica. 

Isso significa que, apesar de ter índices de confiabilidade parecidos com os RT-PCR, os testes de antígeno são um pouco menos sensíveis. Situações de falso negativo, portanto, podem acontecer com mais frequência. Os testes de antígeno podem ser encontrados em farmácias e laboratórios, o resultado sai em minutos e custam em torno de R$ 60. Os autotestes, também disponíveis para compra em farmácia, funcionam de forma semelhante ao de antígeno. Já o RT-PCR pode levar até 48 horas e custar, em média, R$ 300. 

Além disso, como explica o pesquisador Ricardo Khouri, da Fiocruz e da Ufba, essas novas subvariantes da ômicron - a BA.4 e BA.5 -, diferentemente  da BA.1, que provocou o surto de janeiro, têm maior afinidade pelas vias aéreas inferiores, a exemplo do tecido pulmonar e dos tecidos dos alvéolos. "Essa afinidade acaba retardando um pouco a chegada desse vírus ou a expansão suficiente para detecção nas vias aéreas superiores. Em estudos preliminares, a gente conseguiu detectar primeiro no swab de orofaringe do que no nasofaringe", explica, citando os 'cotonetes' usados para exames de covid-19. As variantes BA.4 e BA.5 estão sendo consideradas mais agressivas do que a primeira cepa da ômicron. A sintomatologia é mais frequente do que na terceira onda, em janeiro. Há um prolongamento de sintomas, mas, até o momento, isso não tem refletido no aumento dos casos graves e dos óbitos. 

Desde o final de maio, quando chegaram à Bahia, a BA.4 e a BA.5 dividem espaço com a BA.2 entre as amostras genéticas sequenciadas no estado. "É importante que as pessoas pensem primeiro em qualquer sintoma gripal, como espirro e tosse, associado ao Sars-cov-2 e que se mantenha em isolamento até descartar a infecção", completa.