A derrota de Haddad vivida no reduto: silêncio, choro e lamentação

CORREIO acompanhou apuração no largo frequentado por eleitores da esquerda

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  • Fernanda Santana

Publicado em 29 de outubro de 2018 às 00:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr.

A confiança ruía a cada urna apurada nos estados brasileiros. As mulheres da família Falcão espremiam-se para ver, do lado de fora, os resultados exibidos na televisão no interior de um bar no Largo da Santana, no Rio Vermelho. Torciam junto a outras centenas de pessoas por uma virada do candidato à presidência Fernando Haddad (PT) diante de Jair Bolsonaro (PSL). À primeira pesquisa liberada, Mônica Falcão, 54, levou as mãos à cabeça em negativa: “Não acredito nisso”. E toda a praça calou-se num silêncio interrompido apenas por choros e lamentações.

O pequeno telão mostrava o capitão reformado do Exército, eleito presidente do Brasil minutos depois, 11,4 pontos à frente do petista. No largo tradicionalmente frequentado por eleitores da esquerda em apurações eleitorais, o clima de esperança começava a ceder para a derrota, confirmada numa vantagem de pouco mais de 10 pontos para Jair Bolsonaro, já às 19h30 deste domingo (28). As caixas de som de militantes silenciaram-se à confirmação do resultado. Mônica, familiares e completos desconhecidos choravam a derrota.

As sete mulheres sintetizavam o sentimento geral. A tristeza também se misturava à esperança das próximas disputas eleitorais. E também do fortalecimento das manifestações políticas.“Para se transformar em borboleta, é preciso ter metamorfose”, metaforizou a sobrinha de Mônica, a estudante de Psicologia Hilza Falcão.A jovem era seguida de outra tia, a jornalista Mônica Falcão, 53: “Tudo é experiência. O caos, segundo a física quântica, é uma forma de aprendizado”.

Quando comentavam a derrota de Haddad, pareciam sofrer uma perda pessoal. As caixas de som antes silenciadas, começavam a tocar músicas de protesto ao candidato eleito com 55,1% dos votos válidos – o petista teve 44,9%. O francês Will Futuro, 38, há oito anos em Salvador, assistia os militares se agruparem. Conversou com a reportagem como se fora qualquer um dos soteropolitanos presentes no largo. Também com lágrimas nos olhos, meio estático, o doutorando em Cultura comentou:“Estou digerindo. É uma tristeza profunda. Mas sou um homem negro e sei que ser negro é resistir. É resistir sempre”. A técnica de enfermagem Gabriela Madri, 33, cobriu as costas com uma bandeira em homenagem à Fernando Haddad. Tão logo digeriram a confirmação da vitória de Bolsonaro, os militantes já pareciam vislumbrar o futuro. Os amigos de abraçavam continuamente: a derrota era recebido conjuntamente. Desconhecidos também trocavam carinhos entre si.

“Tudo isso é doloroso. Acreditávamos na virada”, falou. Dentro do bar, os amigos André Hartmann, 35, e Pedro Passos, 34, olhavam para a televisão de onde os eleitores de Haddad começaram a se inteirar do resultado.

“Como é que eu me sinto? E como eu poderia me sentir?”, respondeu o médico André, quando questionado sobre a derrota. Ele não acreditava. O amigo André, engenheiro, o seguiu: “Mas foi bem realista esse número, as pesquisas já mostravam isso”. No dia anterior, André tinha ido à Avenida ACM com outros eleitores para falar das propostas de Haddad. Ali, os saldos dos dias anteriores de campanha eram calculados. 

O saldo Militantes e eleitores de Haddad começaram a chegar às 14h30. O largo logo foi tomado por bandeiras, caixas de sons e ambulantes. Todos esperavam, a despeito das estimativas, uma vitória. Por isso, a noite chegou em clima de confiança, quase uma festa. As amigas Carolina, Evelin e Ana Emília tinham cerveja às mãos e planos para o fim da noite – e para os próximos dias. Mas tentavam pensar, também, num possível resultado negativo para Fernando Haddad.“Se Bolsonaro ganhar, é democracia, aceitamos. Tudo na vida tem um lado positivo e nossa mobilização não termina aqui”, disse a servidora pública Carolina Doria, 35.As amigas também tentavam ver o lado positivo de uma possível derrota. Desde 2002, vão ao local acompanhar a apuração das eleições. De lá para cá, foram quatro disputas. “Todos estão unidos. E é aqui [no Rio Vermelho] que vemos isso”, falou a corretora de imóveis Evelin Penna, 35. Carolina Doria, Ana Emília e Evelin Penna: entre a esperança da vitória e os saldos da derrota (Foto: Fernanda Lima/CORREIO) Antes da derrota, e após a divulgação da boca de urna, todos pareciam se unir pelos ideais comuns. A biomédica Jussiara de Jesus, 54, definiu: “Eu acho que a oposição sai vitoriosa. Entramos unidos, estamos unidos e saímos dessa unidos”.Os cinco televisores instalados nos dois bares do espaço deixaram os eleitores pregados nos celulares. Pairava a curiosidade no ar mesmo quando o resultado já estava confirmado. O pastel de queijo esfriava na mesa enquanto Jussiara tentava qualquer nova informação. "Aí a gente tem que ficar ligada... Apreensivas", disse Jussiara. Ao seu lado, Cleusa Rodrigues, 60, sequer tirava os olhos do smartphone.

Próximos, o empreendedor Paulo Saliba, 32, e o cabeleireiro Edipo Oliveira, 58, comentaram o cenário de derrota. “O Brasil não morre nunca. Uma derrota não significa isso. Sairemos reerguidos. Eu acredito”, sintetizou. No largo, todos acreditavam.

*Com supervisão da editora Ana Cristina Pereira