Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Waldeck Ornelas
Publicado em 12 de maio de 2020 às 05:15
- Atualizado há um ano
Depois de beirar os 15 milhões de desempregados, como consequência da forte crise econômica de 2014-2016, o país vinha reduzindo esse contingente a passos de cágado. Estávamos em 12,3 milhões de desempregados em fevereiro quando sobreveio o impacto da pandemia, agindo tal qual um tsunami, destruindo os empregos e suprimindo abruptamente a renda dos informais. A crise pôs diante das autoridades a necessidade de apoiar emergencialmente a base da pirâmide social. Mas aí, paradoxalmente, veio o grande desafio: quem são estes brasileiros?
No cadastro nacional de informações sociais do INSS foram pescados os contribuintes individuais, pessoas físicas que por iniciativa própria contribuem para garantir uma aposentadoria; no cadastro único (CadÚnico) do ministério da Cidadania foram identificados os que recebem e os que não recebem bolsa família; adicionaram-se os microempreendores individuais (MEI), uma categoria relativamente recente, que veio para abranger os trabalhadores informais. Mas este conjunto não diz tudo.
O país se deu conta de um imenso contingente de pessoas que integram a nossa sociedade, mas que passam despercebidas diante do Estado. Foram identificados, por chamamento para o “coronavoucher” – o programa de ajuda de R$ 600,00 por três meses – cerca de 20 milhões de brasileiros que estavam no limbo, pessoas comuns, que nunca pediram nada ao governo, no dizer do ministro da Economia, o liberal Paulo Guedes. Para estes o Estado nunca existiu, sequer para cobrar impostos diretos.
Os números ainda não estão fechados, portanto não são definitivos. Até o presente, 50,1 milhões de brasileiros foram aprovados para receber o Auxílio Emergencial, de um total de 96,9 milhões que se cadastraram; 26,1 milhões foram considerados inelegíveis; os demais estão com as suas demandas inconclusas ou em primeira análise.
A gravidade da crise fez com que também municípios tomassem iniciativas extraordinárias, no limite das suas possibilidades. Caso do projeto “Salvador por Todos”, que atribuiu um benefício eventual de R$ 270,00 mensais para cerca de duas dezenas de milhares de cidadãos reunidos entre aqueles que mantinham algum vínculo com a prefeitura, através das suas secretarias de Promoção Social, Ordem Pública, Mobilidade, Transalvador e Limpurb.
Passado o pandemônio da crise, tudo isto requer a construção de uma nova política social para o país. Descobertos e identificados os “invisíveis”, a sociedade precisa cuidar deles e criar condições para que tenham um lugar ao sol. Será necessário e urgente que os governos federal, estaduais e municipais, mergulhem nesse conjunto de cadastros – que aliás precisam ser integrados – para promover a análise e avaliação das diversas situações, destrinchando as suas condições de vida, trabalho e renda para proporcionar-lhes, não mais uma ajuda assistencial, mas políticas públicas de longo prazo, destinadas a promove-los socialmente.
Que ocupações exercem? Como sobrevivem? Que grau de instrução têm? Que qualificações possuem? Qual a estrutura familiar? Como moram? São todas perguntas que precisam ser respondidas. Eis aí uma tarefa para instituições públicas como IPEA e IBGE, mas sobretudo um vasto campo de estudo para a academia. O resultado haverá de subsidiar a construção de uma nova arquitetura de programas sociais destinados a apoiar todo esse contingente de cerca de sessenta milhões de brasileiros.
A política nacional de assistência social propriamente dita precisará ser profundamente revista, para dar lugar a um amplo Programa de Estabilidade Social. Será indispensável promover uma busca ativa a todos esses brasileiros, para assegurar-lhes condições de cidadania, atribuindo-se aos CRAS tarefas que eles nunca cumpriram, devendo inclusive passar a ser compostos por equipes multidisciplinares, que precisam ser incorporadas. Afinal, este público guarda íntima relação com pobreza, desigualdade, informalidade e desemprego. Precisamos trocar assistência social por desenvolvimento social.
Waldeck Ornelas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores