A eterna busca de Ariosvaldo, o faz-tudo 'emplacado' da Tancredo Neves

Aos 54, ele viaja para Salvador atrás de serviço; nunca teve a carteira assinada

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  • Nilson Marinho

Publicado em 8 de março de 2018 às 02:00

- Atualizado há um ano

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Ariosvaldo com placa usada para oferecer mão de obra: 'valor quem diz é cliente' (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Milhares de carros passam por ali. É um bom lugar para ser visto, quem sabe até para receber uma proposta vinda de algum engravatado que trabalha em um daqueles grandes prédios da área. Pelo menos é o que acredita Ariosvaldo Malaquias, 54 anos. Difícil é conseguir alguma coisa sem estudos. E para pagar as contas só restou uma alternativa: anunciar que está disponível para fazer 'bicos'.

A forma que ele encontrou para fazer isso, no entanto, chama atenção. Com uma placa, Ariosvaldo anuncia seus serviços em dois pontos de grande circulação da cidade: na região do Iguatemi e, principalmente, nas imediações da Avenida Tancredo Neves. 

Apesar de anunciar que está disponível para o trabalho, são poucos o que de fato param, se aproximam e oferecem uma oportunidade. Ariosvaldo, às vezes, se sente invisível. A placa que carrega consigo foi doada por um amigo, e nela está escrito tudo o que desempregado pode oferecer. Pintura, pintura em grades, jardinagem, entrega de panfletos, ajudante em eventos e serviços em gerais, qualquer coisa que possa ajudá-lo a pagar o aluguel que é de R$ 250. O número de contato fica ali, embaixo da descrição, para que os interessados possam contratá-lo.

Rotina Ariosvaldo é de Salvador mas mora em uma pequena casa de um cômodo na cidade de Pojuca, Região Metropolitana de Salvador (RMS). Está lá desde que sua mãe morreu, há cinco anos. Era ela quem o ajudava, embora ele se virasse com alguns serviços de jardinagem. Depois da sua partida, tudo ficou mais complicado e só restou ir às ruas procurar serviço.

De segunda a sexta, o desempregado pega um ônibus rumo a Salvador. Chega por aqui por volta das 8h, e só retorna no final do dia. Em Pojuca é mais difícil encontrar alguma coisa, conta."Lá é muito pequeno e às vezes não encontro trabalho, mas tenho a sorte de contar com o apoio de amigos, do peito, que me ajudam a completar o dinheiro do aluguel", comenta.No Iguatemi ele já não vai mais com tanta frequência. Agora prefere ficar na Tancredo Neves, próximo ao Salvador Shopping. Está lá quase duas semanas. Durante esse tempo, conseguiu alguns serviços. No último, feito nesta terça-feira (6), Ariosvaldo faturou R$ 90. Cuidou de um jardim de uma casa no bairro de Itapuã. Trabalhou das 8h às 15h. O valor quem diz é o cliente.  Foto: Evandro Veiga/CORREIO "Uma mulher que passou e anotou meu número. Ela foi muito generosa, além do serviço, me deu comida e pediu para que o marido me levasse até a Rodoviária. Não costumo fazer muitas coisas, às vezes na semana aparece um, dois, coisa fraca", lamenta.

O segurança do prédio Salvador Businnes, que fica próximo do local onde Ariosvaldo costuma ficar, conta que admira a atitude dele. "Nem todo mundo tem coragem de fazer isso. Ele fica aí durante todo o dia, embaixo desse sol. Já até negaram água para ele, mas eu fiz questão de ajudá-lo porque admiro sua coragem", lembra.

Vida Ariosvaldo teve uma infância díficil. Passou fome e, por vezes, apanhou do pai que era alcoólatra. Ele era o mais novo dos cinco irmãos e o único que sofria com as agressões gratuitas. Do pai, já falecido, não sente raiva. Nunca sentiu, na verdade. "Sempre foi assim, difícil. Ele chegava muito bêbado e não podia deixar cair um grão de arroz no chão. Não entendia o que acontecia, nem porque só eu apanhava, mas dele não sinto raiva. Deus sabe tudo o que faz", declara.Do restante da família sabe pouca coisa, perdeu o contato com os cinco irmãos há tempos. Dois deles são bancários, mas Ariosvaldo afirma que nunca recebeu um vintém. Com dificuldade para falar, por conta de uma gagueira, e sem experiência profissional – nunca trabalhou de carteira assinada –, ele conta que é difícil receber um 'sim' em uma entrevista de emprego. Quer dizer, nunca foi chamado para uma.

"Um dia fui em uma empresa deixar meu currículo. Quando estava saindo, percebi que a pessoa que recebeu o papel rasgou. Só esperou eu sair, mas eu percebi. Nunca trabalhei antes de carteira assinada, então fica difícil conseguir alguma coisai", lembra. O desempregado só chegou a cursar a 3ª série do ensino fundamental. Porém, mal sabe assinar seu nome.